Entrevista a Phoebe Smith: jornalista, viajante e aventureira

Phoebe Smith é jornalista de viagens, fotógrafa e autora de vários livros. (DR)
Convidada pela ObservaRia - Estarreja Birdwatching Fair, que decorreu em abril, para proferir a palestra “Uma Vida Selvagem - Dormir e Nadar na Natureza” e orientar um workshop de escrita, Phoebe Smith falou com a “Evasões” sobre como se tornou uma aventureira, escritora de viagens e comunicadora de natureza.

Autora e fotógrafa multipremiada, Phoebe Smith já viajou um pouco por todo o mundo. Apesar de ter crescido junto ao Snowdonia National Park, no norte do País de Gales, só em adulta se interessou em conhecer de perto a natureza. Conta as suas aventuras em vários artigos, livros e no seu podcast “Wander Woman”. Em Estarreja, contou Evasões como se tornou viajante profissional e partilhou as suas impressões sobre o Projeto Rewilding do Vale do Côa, que conheceu nesta viagem a Portugal.

O que surgiu primeiro, o jornalismo ou as viagens?
Desde pequena que adoro escrever e contar histórias. Perceber o poder que estas têm. Na universidade, fiz jornalismo e estudos culturais. Depois, fiz mestrado em inglês. Como não sabia o que queria fazer, saí do país e fui trabalhar numa livraria no Canadá e depois num jornal em Toronto. Fui para a Austrália trabalhar numa revista de mochileiros e pediram-me para ir a Cairns [cidade na entrada da Grande Barreira de Coral] fazer uma atividade e escrever sobre isso e pensei, “nem acredito que isto é um emprego!” [risos]. Comecei aí a escrever sobre viagens e fiquei completamente apanhada.

Como foi o regresso ao Reino Unido?
Apercebi-me que pouco tinha visto do meu país. Como não tinha muito dinheiro nem tempo, porque estava a trabalhar num jornal, decidi-me pelo campismo selvagem. Comecei a testar os meus limites, ao mesmo tempo que ganhava mais confiança na minha escrita. Aí, sim, comecei a escrever sobre caminhadas e montanhismo.

Um dos seus “passatempos” é aquilo a que chama de “extreme sleeping”, dormir em sítios radicais. Como surgiu esta atividade improvável?
Não é uma atividade muito popular, de facto [risos]. Comecei a usar o termo “extreme sleeping” quando falava em fazer campismo selvagem e dormir no topo das montanhas. Depois, tive vontade de esticar até ao limite.

Prefere viajar sozinha ou acompanhada?
Já não viajo tanto sozinha porque tenho um filho de dois anos. Ele acompanha-me com frequência, mas quando tenho hipótese, não há nada como acampar sozinha. Não que seja antissocial, adoro ir com amigos. Mas se for sozinha, não tenho de me preocupar, sou só eu e a natureza.

A autora cunhou a expressão “extreme sleeping”, que pratica a aqui na formação rochosa Bunnet Stane, na Escócia. (DR)

Ter um filho mudou a forma como viaja?
Só numa coisa, a minha mochila vai mais leve porque a dele é enorme [risos]. Durante os confinamentos, todos os dias, íamos fazer pequenos passeios. Hoje, é o tipo de menino que não consegue estar em casa, todos os dias tem de sair. É quase como ter um cão [risos]. Claro que muita gente me disse que eu não poderia fazer o mesmo depois de ser mãe, mas quero mostrar que posso.

Gosta de mais planear bem as viagens ou de improvisar?
Ambos. Gosto de planear porque podemos ter belas aventuras se nos prepararmos. Mas gosto de deixar tempo para experimentar. Não sou contrária a seguir um caminho que não sabia que estava lá. Isso é a beleza de quando viajo sozinha, não tenho de negociar com ninguém.

Nos seus livros e palestras fala de encontros com animais selvagens. Como lida com esse perigo?
Se forem animais de grande porte, é melhor tomar medidas apropriadas, como levar spray de ursos. Noutros espaços, é só necessário fazer muito barulho; normalmente canto, para deixar a vida selvagem saber que estou ali. Geralmente, os animais não estão interessados em nós. Claro que é diferente em alguns sítios de África… Tento preparar-me ao máximo.

Na palestra que fez no festival, contou que foi conhecer o projeto Rewilding Portugal [ver caixa no final], no Vale do Côa. O que mais a marcou?
Fiquei deslumbrada com as gravuras e com a paisagem. Muitas vezes, quem é do Reino Unido só conhece o Algarve e Lisboa, talvez o Porto e o Vale do Douro por causa do vinho. Toda a gente tem estereótipos sobre países. Fiquei admirada porque aquilo não é nada do que eu esperava ver em Portugal. Gosto muito do que a Rewilding Portugal está a tentar fazer.

Como se pode balancear os projetos de “rewilding” com as necessidades das populações, como a agricultura, e o turismo de natureza?
O que está a ser feito com sucesso no Reino Unido é dar aos agricultores um lugar à mesa. Assim, todos podem aprender, porque eles entendem a terra como os outros não entendem; mas também têm de ter a mente aberta para ver o que os outros podem acrescentar. O equilíbrio pode ser complexo, mas acredito que se consegue se todos participarem.

Como viu isso no Vale do Côa?
Ali, a agricultura está ao abandono, razão pela qual o projeto conseguiu comprar terrenos. Sinto que há uma grande oportunidade para levar turistas da natureza ao Vale, para verem como está a ser a renaturalização. Esta não acontece de um dia para o outro. Por exemplo, pode ver-se já as alterações conseguidas pela introdução de cavalos, só em dois anos. Mas daqui a dez anos a diferença será ainda maior.

Algumas dicas para quem quer começar a fazer passeios na natureza?
Olhar para o que está ao lado de casa. Descobrir sítios para caminhar e observar a natureza. O importante é que não haja sacrifício. Também é bom descobrir a paixão que nos move, seja ir a um sítio mais selvagem, seja descobrir património arqueológico… e fazer com que essa paixão faça parte da experiência. Como costumo dizer “apreciar, sem sofrer”.

Como pergunta a alguns convidados do seu podcast, qual o objeto sem o qual nunca viaja?
Quando vou acampar, levo sempre minha almofada insuflável [risos]. Se tiver uma boa noite de sono, acordo cheia de energia e passo melhor o dia.

10 livros e um podcast
Além de escrever para diversas publicações como “The Guardian”, “The Telegraph” e “The Times” e de ter dirigido a revista “Wanderlust”, Phoebe Smith tem uma dezena de livros publicados, entre eles “Wilderness weekends”, “Extreme sleeps” e “Wilderness cookbook”. O seu próximo livro
“Wayfarer: A Journey along Britain’s Ancient Paths” explora caminhos de peregrinação. Será publicado em fevereiro de 2024. Phoebe também escreve e apresenta o podcast “Wander Woman”.


Rewilding Portugal
Rewilding, em português “renaturalização”, visa a restauração ecológica em áreas vastas. Na senda do projeto Rewilding Europe, fundado em 2011 e a ele ligado, nasceu em 2019 o Rewilding Portugal, que trabalha nesse sentido no Grande Vale do Côa, onde se encontra a primeira área protegida privada de Portugal, a reserva da Faia Brava. O objetivo é reforçar o “corredor de vida selvagem de 120 mil hectares que melhorará a conectividade na paisagem entre a cadeia montanhosa da Malcata e o Vale do Douro”, tendo sempre em conta a coexistência de vida selvagem e populações humanas. Recentemente, o projeto libertou uma manada de 15 Tauros (espécie criada para ser semelhante ao auroque, antepassado selvagem de todo o gado bovino) para habitarem livremente os cerca de 600 hectares da área “rewilding” do Ermo das Águias. Infos: rewilding-portugal.com.




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