Caldas da Rainha: Uma cidade em movimento perpétuo

A menos de uma hora de carro de Lisboa, há uma cidade que soube manter uma identidade muito própria, alicerçada na Escola Superior de Arte de Design, que reavivou a tradição artística de um sítio onde parece estar sempre algo a acontecer.

É uma tradição que se mantém desde o século XVI, quando o local hoje conhecido como Praça da Fruta foi, segundo a lenda, cedido pela rainha D. Leonor aos agricultores da região, para ali venderem os seus produtos. Desde então, nunca mais o mercado deixou de se realizar. Todos os dias, desde manhã bem cedo até à hora de almoço, lá estão as coloridas bancas de frutas e legumes, com as vendedeiras a elogiar os clientes, numa imagem de outros tempos que decerto teria agradado ao pintor José Malhoa, o «pai do naturalismo português» – também ele natural das Caldas da Rainha, que lhe dedicou um museu. Igualmente de visita obrigatória é o Museu da Cerâmica, outra tradição antiga da cidade, elevada à condição de arte pela mestria de Bordalo Pinheiro, nas últimas décadas do século XIX. Ambos os museus ficam no Parque D. Carlos, o imenso jardim romântico construído junto às termas, por essa altura ponto de encontro de gente abastada de todo o país, que ficava hospedada no Grand Hotel Lisbonense, encerrado na década de 1970, mas entretanto ressuscitado como Silver Coast Hotel pelo grupo Sana há sete anos.

E tal como o velho hotel, que de repente ganhou o brilho de outros tempos, também a cidade voltou a ganhar um lugar central no panorama artístico nacional, com a abertura, no início dos anos 1990, da Escola Superior de Arte e Design. Muitos alunos que daí saem estabelecem-se depois nas Caldas da Rainha, perpetuando toda uma movimentação artística no dia-a-dia da cidade, em exposições, concertos e performances, mas também nas lojas e nos restaurantes. Como acontece ali mesmo nos arredores da Praça da Fruta, onde os bonitos edifícios românticos albergam hoje lojas como o Granel da Rainha ou a Venda, que reinventam a tradição. A primeira é uma mercearia de alimentação saudável, onde, como o nome indica, tudo é vendido a granel, enquanto a segunda é «uma loja de coisas simples», como a define o proprietário, o designer Pedro Cardoso.

No café-restaurante Leef «é quase tudo orgânico e confecionado sem açúcares refinados, óleos ou farinhas de má qualidade».

Chegou há cinco anos vindo de Coimbra, para se estabelecer nas Caldas com a mulher, a arquiteta Ana Cotrim, «em busca de qualidade de vida». Nas prateleiras, à mistura com brinquedos vintage e jogos tradicionais, há pósteres, impressões e art cuts de produção própria, lado-a-lado com imaginativas peças de cerâmica de marcas emergentes, como o Laboratório de Histórias. «O nosso objetivo, quando abrimos a loja, era vender apenas aquilo que queremos e gostamos», explica Paulo. A razão para abrirem a loja aqui? A qualidade de vida, a mesma que Nuno Francisco aponta como justificação para ter estreado, há pouco mais de um mês, o Leef, um espaço de alimentação saudável, que é ao mesmo tempo restaurante, pastelaria e café. «Aqui é quase tudo orgânico e confecionado sem açúcares refinados, óleos ou farinhas de má qualidade», garante Nuno. Uma «mistura de desporto, alimentação e leitura» trouxe-o até aqui e agora assume como missão «partilhar com os outros esta filosofia de vida» – o que explica o preço tão em conta, 11 euros, do buffet disponível às segundas.

Fazer escola

Quando, em 2009, abriu o Maratona, José Vale também estava a criar algo novo. O restaurante, outrora casa de jogos, famosa pela pista de carros elétricos, é hoje uma das maiores referências das Caldas da Rainha. Pela comida, mas também porque às vezes se transforma em sala de concertos, galeria de exposições ou salão de festas animadas por DJ locais. «Somos uma própria extensão da vida da cidade», afirma o sócio-gerente desta casa «informal chique», mas «acessível a todos e com um lado pedagógico».

O menu baseia-se em produtos da região e de época, trabalhados de forma imaginativa pelo chef Ricardo Ferreira. «Por valores justos, por volta dos 20 euros, oferecemos algo mais e alargamos horizontes», afirma José, que a cada estação deixa os clientes escolher os pratos da nova lista. Mas há alguns clássicos, como o queijo de cabra assado com figos, nozes e redução de vinho do porto, a barriga de leitão a baixa temperatura com molho de pimentas, puré de castanhas e risoto frito de cogumelos ou a sobremesa Fetiche de Chocolate – petit gâteau de chocolate com gelatina de tangerina, sorvete de toranja e laranja cristalizada.

(Fotografia: Orlando Almeida/GI)

Nos anos 1990, as Caldas foram uma das capitais da música alternativa nacional, quando bandas como Tina and the Top Ten, Red Beans ou Orange atraíram os holofotes para Oeste. Hoje, os principais embaixadores do rock caldense são os Cave Story, uma banda que já passou por festivais como Paredes de Coura e Nós Alive e recentemente criou a editora Hat-Size, para promover outros projetos musicais da região. «A banda deu-nos a experiência necessária para avançar», diz Gonçalo Formiga, guitarrista-vocalista dos Cave Story, sentado a uma mesa do Café Central – outrora um local de conspiração contra a ditadura, hoje bem mais conhecido pelo unicórnio desenhado por Júlio Pomar numa das paredes.

«Há uma grande diferença entre ser músico nas Caldas ou em Lisboa. Temos de tocar muito aqui, para conseguir chegar às salas da capital, que para nós está lá longe», explica. Talvez isso ajude a explicar a preenchida agenda de concertos que semanalmente está disponível nas Caldas. Alguns organizados pelos próprios Cave Story, em parceria com associações locais, como o Grémio Caldense – «Se tivermos 20 euros de lucro é muito bom, mas o mais importante é o gozo que nos dá.»

O Charrua, popular restaurante entre os estudantes da escola de artes das Caldas, merece também uma visita pelos bifes e pelo caril de camarão.

Apesar da pomposidade do nome, o Grémio Caldense, mais não é que um «coletivo informal», criado por um grupo de amigos, que nos últimos tempos tem marcado a movida local. São eles Francisca Venâncio, Nayara Siler, Patrícia Rijo, Ricardo Pimentel e Susana Valadas. «Apenas um é natural das Caldas e outros três são antigos alunos da ESAD», explicam, à mesa do Charrua, o popular restaurante do sr. Brito, desde há muito uma espécie de casa para várias fornadas de finalistas da escola de artes das Caldas – merece também uma visita pelos bifes e pelo caril de camarão.

Foi ali, naquelas mesas, que foram planeadas algumas das primeiras das iniciativas do Grémio, hoje sediado no antigo Hotel Madrid. «Fazemos uma programação feita por um grupo e não por um espaço» – em pouco mais de dois anos já organizou mostras de cinema, sessões de poesia, exposições de desenho, noites de jogos de tabuleiro e muitos concertos, em locais como o Museu Malhoa, o Céu de Vidro ou o restaurante Maratona. «Estamos numa posição estratégica entre Lisboa e Porto, perfeita para atrair bandas em digressão», refere Ricardo, dando como exemplo os Concertos Faroeste, um ciclo de música improvisada e de câmara, com regularidade mensal, que «já criou um público fiel e constante».

(Fotografia: Orlando Almeida/GI)

De falta público também Patrícia Faustino não se pode queixar, nas exposições organizadas através da Electricidade Estética, outro «coletivo informal» da cidade, neste caso apenas formado com Gonçalo Belo, que conheceu no curso de belas artes da ESAD. «Foi um projeto surgido da vontade de criar o que não existia. Queríamos expor mas não havia espaços e começámos a fazê-lo em garagens e casas de amigos», recorda. Chegam a reunir quatrocentas pessoas por noite, «algo maravilhoso e só possível de acontecer nas Caldas», garante a programadora, que, de 13 a 24 de abril, vai organizar o Ciclo Primavera 2018, com exposições individuais espalhadas pela cidade, cada uma delas com duração de apenas duas horas.

Novos ninhos de criatividade

«Nas Caldas pode-se fazer tudo e criar-se o que quisermos», disse um dia, ao visitar a cidade, o pensador inglês Charles Landry, o criador do conceito de «cidade criativa», surgido no final dos anos 1980. A frase está afixada numa das paredes dos antigos silos de cerais da cidade, que Nicola Henriques, antigo aluno da ESAD, ajudou a transformar num dos mais recentes polos criativos da cidade – o Silos Contentor Criativo. «Somos uma incubadora informal», explica. Nicola foi um dos primeiros a entrar na antiga moagem, quando os estudantes da ESAD começaram a usar a local como sala de exposições. Hoje, o edifício alberga também um bar, palco habitual de exposições, performances e concertos, estando prevista a abertura de um hostel.

O local serve de base a diversos artistas e artesãos, que têm aqui um espaço de trabalho e para expor as suas peças. Foi também sob essa premissa que a câmara criou, há cerca de duas décadas, o Centro das Artes, que integra também diversas infraestruturas de apoio a artistas. É lá que trabalha Vítor Reis, um ceramista que tem ajudado a renovar a tradição da cidade nesta arte. Define o seu trabalho como «cerâmica de autor», que vende «maioritariamente online», destacando, no seu portfólio, peças como o prato Polvo, concebido para o restaurante algarvio Ocean.

«Somos uma cidade de artes, não há como escapar.»

Algumas portas ao lado fica o espaço de Nuno Bettencourt, um ilustrador e professor de serigrafia há muito radicado nas Caldas, onde organiza eventos como a Galdéria, «um projeto nacional de ilustração, já com 17 anos» ou a mostra de artes visuais Maga, que se realiza anualmente em novembro. «Existe um movimento associativo muito forte nas Caldas da Ranha, que tem como motor a escola de artes e faz que pareça estar sempre a acontecer algo», diz Nuno. A razão principal razão para que tal aconteça, acredita, «tem que ver com a pequena dimensão da cidade, que continua a funcionar como um bairro onde todos se conhecem« e com «um sentido de comunidade já raro noutros locais».

Esse sentido de proximidade pode sentir-se também na Casa Antero, uma instituição da cidade. Aberta há mais de 50 anos, pelos pais de Paulo, o atual gerente, começou por ser uma taberna, «onde só se vendia vinho e os clientes traziam o petisco». Foi Paulo quem, há cerca de 15 anos mudou o espírito da casa, transformando-a numa tasca de nova geração, muito tempo antes de isso se tornar tendência. «As pessoas confiam em nós e na maior parte das vezes comem o que sugerimos», diz Paulo, antes de começar a servir um sem-fim de petiscos: cestinho de alheira com grelos e ovos de codorniz, croquete de carne recheado de queijo da serra, polvo aioli ou muito popular preguinho em bolo do caco com manteiga de alho e queijo de Idanha, que por aqui costuma ser pedido quase em jeito de sobremesa. Por vezes, a tasca do Antero transforma-se também em sala de exposições, às quintas há sempre música ao vivo e as noites de sexta costumam ser animadas pela música de um DJ convidado. «Somos uma cidade de artes, não há como escapar.»

A arte de fazer pão

Aberta há pouco mais de quatro anos, a padaria Forno do Beco já entrou em definitivo no dia-a-dia da cidade, como comprovam as longas filas à porta do pequeno estabelecimento, especialmente ao final do dia, para comprar o «pão cem por cento centeio» ou o pão preto, de espelta, ou o de barbela, «uma tipologia de trigo antiga, moído em mó de pedra», mas também os croissants e arrufadas, que Paulo Santos faz, todos os dias, à moda antiga. O segredo do sucesso, revela, reside «no tempo» e no «respeito pelo processo e pela matéria-prima». A massa é feita com dois dias de antecedência, com recurso a leveduras próprias, algumas já com cinco anos. «A toda uma ética presente no meu trabalho. Só faço aquilo que quero e tem de ser saudável», sublinha Paulo, que está agora a tirar um mestrado em artes plásticas, na ESAD, para «aprender a pensar a profissão de padeiro como um processo criativo».

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