Arouca: passear entre fósseis, minas e paisagens de filme

Arouca: passear entre fósseis, minas e paisagens de filme
No Arouca Geopark, Património geológico da Humanidade, cabem fósseis de animais que viveram há 500 milhões de anos, pedras parideiras (sim, pedras parideiras), paisagens de filme e vestígios da exploração mineira que alimentou a indústria de guerra na primeira metade do século XX. Quem disse que para fazer grandes viagens é preciso percorrer longas distâncias?

Não é segredo para ninguém que na margem esquerda do rio Paiva, em Arouca, há um percurso pedestre com cerca de nove quilómetros de extensão e mil e uma paisagens de postal, o que muitos nem sequer desconfiam é que os já famosos Passadiços são apenas uma pequena parte do Arouca Geopark. Uma área com 328 quilómetros quadrados distinguida pela UNESCO como património geológico da Humanidade em 2009.

É por este território ainda desconhecido da maioria dos portugueses que a Just Come – Countryside & Adventure Tours, organiza grande parte dos seus programas, entre eles passeios de jipe off-road. Aceitamos a boleia da empresa – ajuda (verdadeiramente) especializada e um veículo todo-o-terreno nunca é de mais para ajudar a descobrir um destino –, mas antes de nos fazermos à estrada seguimos a pé pelos incontornáveis passadiços de madeira que unem as praias fluviais de Arainho e Espiunca.

O parque tem 41 geossítios (locais de interesse geológico) classificados e só neste trajeto estão cinco, a Cascata das Aguieiras, a Garganta do Paiva, a Praia Fluvial do Vau, a Gola do Salto e a Falha da Espiunca. Tanta biodiversidade merece uma contextualização, por isso são bem-vindos os nove biospots informativos ao longo do caminho, sobretudo para quem não tiver guia. Aprende-se que, por exemplo, as manchas verde limão nas rochas são líquenes, sinónimo de ar puro; que libelinhas e libélulas se distinguem pelas asas; e que as vacas arouquesas, meigas e com sentido de orientação, andam em liberdade e, ao fim do dia, voltam a casa. Bem as vemos a caminhar nas estradas ou serenamente deitadas nas serras, a lamber as vizinhas, qual gatos.

Mas são outros animais, já extintos, uma das razões mais fortes para o reconhecimento oficial do Arouca Geopark: as trilobites, que povoavam os oceanos há 500 milhões de anos. No Centro de Interpretação Geológica de Canelas está uma coleção única de fósseis de trilobites descobertos em ardósias durante a laboração da pedreira ao lado, conta Manuel Valério, empresário e responsável por este museu aberto em 2006. Encontrar fósseis destes com mais de 30 centímetros é muito raro, mas em Canelas chegam a medir 70. São gigantes, os maiores do mundo. Verdadeiras raridades são, igualmente, os fósseis de várias trilobites em grupo, que também fazem parte da coleção. Uma surpresa. A primeira de muitas.


Um planalto com várias cores

O planalto da Serra da Freita é outro dos pontos de visita obrigatórios do parque. Na primavera cobre-se de roxo e amarelo, cortesia da urze e da carqueja, no início do outono começa a pintar-se de dourado. É tamanha a beleza, que se vai de rosto colado ao vidro até ao Radar Meteorológico de Arouca, um equipamento do Instituto Português do Mar e da Atmosfera, a mais de mil metros de altitude, com uma varanda panorâmica no décimo andar. Em dias limpos, permite ver desde a Figueira da Foz até ao Grande Porto, deteta-se o mar e até o perfil dos barcos, além do planalto e das aldeias em volta – a Panorâmica da Costa da Castanheira é outro geossítio.

à visita ao Radar Meteorológico está associada à Casa das Pedras Parideiras, um centro de interpretação, na aldeia de Castanheira, dedicado a outro fenómeno único à escala global: as pedras parideiras. Numa área limitada a um quilómetro quadrado há nódulos que se soltam da rocha-mãe devido aos agentes erosivos, deixando nela concavidades negras. O nome técnico é granito nodular da Castanheira, se bem que os habitantes se refiram a elas como pedras parideiras, por dar a ideia de que a rocha estava a parir outra pedra. Até há quem acredite que pôr nódulos debaixo da almofada favorece a fertilidade. Certo certo é que não podem ser vendidos nem oferecidos; são só para investigação.

São Pedro Velho é um dos miradouros que vale a pena visitar. (Fotografia de Maria João Gala/GI)

Na «serra encantada» tudo parece um postal, sobretudo quando se está lá no alto, em miradouros como o São Pedro Velho ou o Detrelo da Malhada, no parque eólico da Freita. Tanta descoberta, e tão entusiasmante, pode fazer esquecer o mundo para lá daquelas linhas, mas não a fome. Assim se conhece outro atrativo local: a boa mesa. Carne de raça bovina arouquesa, é claro, mas não só. Trutas com molho de escabeche, javali e vitela assada são só algumas das especialidades do Restaurante do Pedrógão, que funciona na pequena aldeia com o mesmo nome, apenas por reserva. António Quaresma e Susana Vieira, simpáticos anfitriões, não deixam ninguém com fome, nem os vegetarianos. Nesta casa de agricultores, improvisa-se logo uma feijoada de legumes e migas, ou mais que haja.

Quando António decidiu abrir este que foi um dos primeiros restaurantes na serra, chamaram-lhe «maluco». Hoje, vai ali gente de vários pontos do país comer os pratos feitos, em grande medida, com produtos próprios, das batatas às trutas, e ainda o leite-creme e a sopa seca, um doce tradicional feito com pão, água de cozer carne, açúcar e canela, que «tem mau aspeto, mas sabe muito bem».

Ouro negro, como a história

Conhecer Arouca também é recuar no tempo – 500 milhões de anos ou menos de um século. No território sobram vários vestígios de exploração mineira do volfrâmio, com destaque para as minas de Rio de Frades e de Regoufe, dois geossítios na Serra da Arada. O chamado ouro negro foi usado para produzir material bélico durante as duas guerras mundiais, tendo a exploração atingido o clímax na segunda, entre 1939 e 1945.

Em Rio de Frades, as ruínas das explorações e infraestruturas mineiras estão à vista e há uma galeria, a do Vale da Cerdeira, que se percorre a pé até encontrar, do outro lado, uma queda de água e resquícios de construções, como degraus que levam a lado nenhum – já levaram; seriam de um antigo paiol. A exploração de volfrâmio e estanho nesta área remonta pelo menos a 1915. Em 1923, foi fundada a Companhia Mineira do Norte de Portugal, conhecida como Companhia Alemã, por funcionar com capitais da Alemanha, país a que se destinava o minério.

A tradição mineira continua presente e nesta região é possível visitar atingas minas de volfrâmio. (Fotografia de Maria João Gala/GI)

Chegaram a trabalhar ali cerca de 3000 pessoas, e ainda havia os «pilhas»: uns subtraíam volfrâmio da mina, para vender no mercado negro; outros tentavam a sorte fora das zonas concessionadas, para vender à companhia. «Na altura, um trabalhador rural ganhava 6 ou 7 escudos por dia, e um mineiro 15 ou 20. No auge da II Guerra Mundial, um quilo de volfrâmio chegou a custar 1000 escudos», explica o proprietário da Just Come, Pedro Teixeira, adiantando que nos anos 1940 foram feitas (e desfeitas) fortunas, ao ponto de pessoas que não sabiam ler nem escrever andarem com canetas de ouro nas camisas. «A maior parte, no fim da exploração, voltou à miséria.» A Companhia Portuguesa de Minas foi constituída em Regoufe, 1941 e funcionou sobretudo com capitais e administração britânicos, daí ser conhecida como Companhia Inglesa. Eram exploradas pelos ingleses «para que não sobrasse volfrâmio para os alemães, não porque tivessem necessidade», sublinha Pedro. Curiosamente, há relatos de que «alemães e ingleses eram inimigos pela Europa fora, mas aqui partilhavam a mesma estrada, as pensões… Viviam pacificamente lado a lado».

Na aldeia de Regoufe existe um restaurante que mantém vivas estas memórias. O Mineiro, que também só abre só por marcação (serve cabrito e vitela com batatas no forno, cozido à portuguesa, arroz de cabidela, gelado caseiro ou leite-creme), tem nas paredes fotografias de 1944 do bairro mineiro, do clube e da cantina, além de vários objetos da época. «Havia aqui muita gente a trabalhar, a sobreviver à custa da morte de outras pessoas», observa a responsável pela casa, a também pastora Fátima Martins. Do complexo mineiro da Poça da Cadela resta imaginar, a partir das ruínas, como seriam esses tempos.

Outro lugar desabitado, mas nem por isso abandonado, é Drave, aldeia de xisto com uma capela branca, num vale profundo, acessível a pé. Enquanto umas casas vão decaindo, face à ausência de moradores, outras têm sido reconstruídas pelos escuteiros, ou não fosse esta a Base Nacional da IV Secção do Corpo Nacional de Escutas. É muito tranquila, guardada por montanhas, e tem belos recantos. Quase se consegue visualizar como seria a vida ali, quando o velho tear junto a uma janela ainda funcionava e os espigueiros estavam de pé. Chamam-lhe «aldeia mágica». Uma aldeia mágica dentro de um parque mágico.

Quinta do Pomar Maior é uma unidade de agroturismo em Santa Eulália, a escassos quilómetros do centro de Arouca. (Fotografia de Maria João Gala/GI)

ONDE FICAR


Espécies autóctones e uma gata chamada Flor

Na Quinta do Pomar Maior, uma unidade de agroturismo em Santa Eulália, a escassos quilómetros do centro de Arouca, há cerca de 200 árvores de fruto, jardins, galinhas, patos e uma gata chamada Flor. Os hóspedes podem escolher entre duas casas T4 (a Casa do Mosteiro e a Casa Museu), dois apartamentos T1 (a Casa da Freita, encaixada entre duas árvores, e a Casa das Trilobites) e dois quartos duplos (Pedras Parideiras e Mizarela). Tudo tem ligação à zona envolvente: até tetos e paredes são ajardinados com espécies autóctones da região. Também existem duas piscinas, mas ali mergulha-se mesmo é na natureza.

 

Na Casa dos Doces Conventuais de Arouca há castanhas doces, charutos de amêndoa, barrigas de freira e muito mais. (Fotografia de Maria João Gala /GI)


Doçaria conventual: dos ovos à língua de vitela

O Mosteiro de Arouca, no coração da vila, deixou no território marcas que perduram até hoje, e uma delas, para nossa sorte, é a doçaria conventual. Uma aia passou as receitas das gulodices que eram feitas ali à avó de Jorge Bastos, Maria Luísa, e é por isso que atualmente se pode apreciar castanhas doces, charutos de amêndoa, barrigas de freira e muito mais na Casa dos Doces Conventuais de Arouca. Alguns são sazonais. Por exemplo, o manjar de língua, um doce de colher com ovo, amêndoa e língua de vitela, só está disponível no Natal, na Páscoa ou por encomenda.

 

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.

 

Leia também:

Passadiços do Paiva: Ar puro e belas paisagens
Arouca: há muito para descobrir para além dos passadiços
Portugal entre os 20 países com paisagens mais surpreendentes



Outros Artigos





Outros Conteúdos GMG





Send this to friend