Ao raiar do dia, nem o céu nebuloso de meados de janeiro retira o charme à cidade. Da varanda do Des Arts – Hostel & Suites, de frente voltada para o Tâmega, a vista alcança as paisagens verdejantes que se estendem para lá do rio. Abriu em julho, num edifício onde em tempos funcionou o Grand Hotel Silva, o hotel mais antigo da região, com referências que remontam a 1902. Francisca Fonseca e os irmãos, Rita e Álvaro, decidiram recuperar o velho hotel da família, com o objetivo de prestar homenagem aos nomes da arte e da literatura que marcaram a cidade, ou não fossem eles sobrinhos-bisnetos do poeta amarantino Teixeira de Pascoaes. Ao todo são 48 camas, entre suites e camaratas, dispostas pelos cinco pisos do edifício, que ajudam a dar resposta ao crescimento turístico da região, que hoje, acreditam os herdeiros de Pascoaes, começa a «estar na moda outra vez».
As referências ao poeta continuam alguns passos rua abaixo. Ao chegar à Praça da República, encontra-se o histórico Café-Bar São Gonçalo, fundado nos anos 1930, e desde esses tempos lugar de tertúlias e ponto de encontro da elite cultural local e nacional. Por aqui passaram escritores, pintores, políticos e foi o local de eleição de Teixeira de Pascoaes, pioneiro do saudosismo, para se dedicar à sua obra. Ao fundo da sala, está uma estatueta do poeta, sentado à mesa, dedicado à escrita, como tantas vezes fazia, inspirado pelo cenário idílico que se compõe lá fora e que tantos outros artistas apaixonou. Não é difícil perceber porquê. Deste lado aglomera-se o legado arquitetónico e cultural da cidade, edifícios históricos, distanciados por meros passos, e com histórias para contar. Do outro, o comércio, a cozinha regional e as gentes, em rebuliço, lado a lado com as paisagens serranas. E ao centro, a ponte, majestosa, a unir o que o rio separa.
Também Amadeo de Souza-Cardoso, grande nome da arte moderna, se deixou cativar por esta terra. Ali ao lado, no museu de seu nome, antigo mosteiro de São Gonçalo, construído no século XVI, encontra-se um espólio com obras únicas do pintor, entre elas o seu último quadro, Ascenção do quadrado verde e a mulher do violino.
À saída do museu é obrigatório entrar no edifício mais imponente do centro histórico, a igreja de São Gonçalo, monumento contíguo ao mosteiro, erguido à margem do rio e em esquina com a ponte. O túmulo do beato São Gonçalo, padroeiro da cidade, que aqui jaz abaixo do altar-mor, atrai peregrinos de todo o país e arredores, mas é à entrada do santuário que se encontra um excecional órgão de tubos ibérico – assim chamado pela caraterística de possuir tanto tubos horizontais como verticais, algo que só se encontra na Península Ibérica –, que faz parte de um conjunto de quatro existentes em igrejas do centro histórico e que contribuíram para que Amarante fosse considerada pela UNESCO, a outubro do ano passado, cidade criativa na área da música. Na decisão também pesaram grandes eventos ali organizados, como o Band’arte, o Há Fest e o Festival Mimo, que desde 2016 escolheu Amarante para celebrar a música do mundo.
Uma rua para provar
O rio corre sereno, mas parece irrigar de vivacidade as suas margens. Há quem se passeie de um lado para o outro, ao ritmo da corrente. Veículos e pedestres vão-se revezando na travessia da ponte, ora espera um, ora encosta outro, e quando finalmente conseguimos alcançar a outra margem damos conta de uma rua perfeita para encher a barriga. Começando pela sobremesa, na Confeitaria da Ponte, para quem desce é logo a primeira porta do lado esquerdo, aberta desde 1930. A longa fila pode assustar, mas vale a pena a espera, ainda mais se se conseguir uma mesa ao fundo da sala, o mais perto possível das grandes janelas.
A sensação é a de estarmos num barco, já que a única coisa que se vê ao olhar pelo vidro é o Tâmega. Expostos na montra estão os cinco doces conventuais típicos da região, o difícil é mesmo escolher por onde começar. Há os foguetes, os são gonçalos, as lérias, as brisas e os papos-de-anjo, estes os mais populares.
E como estamos em Amarante não faltam também os doces fálicos de São Gonçalo, que tem reputação de casamenteiro. Ao leme da confeitaria desde 2010 está Ricardo Ribeiro, com o objetivo de «recuperar a dimensão e a afirmação a nível nacional que a casa teve noutros tempos», e para isso conta com a ajuda das pasteleiras. «Elas é que controlam tudo lá em baixo, sem elas nada disto era possível», diz com carinho o proprietário.
Seguindo caminho pela calçada irregular, tornada escorregadia pela inclinação e pela chuva miúda que a tempos cai, erguem-se aconchegados de um lado e do outro da Rua 31 de Janeiro edifícios que desde sempre albergaram o principal polo comercial da cidade. E disso ninguém sabe melhor do que Manuel Silva – Necas, como é conhecido –, que há quase meio século é a cara da Mercearia Costa. Chegou em 1972, estava a casa aberta havia 5 anos. Agora pertence a Hugo Magalhães e está transformada em garrafeira, onde estão em destaque os vinhos do Douro, que «os verdes, esses, ainda há a tradição de os ir buscar diretamente às adegas dos produtores locais», explica Hugo.
Vinho verde, no entanto, é o que não falta mais à frente, na’A Taberna. Mal se entra pela porta estreita, logo se repara nos grandes presuntos que pendem do teto de madeira, deixando adivinhar o que aqui se come. Servem petiscos tradicionais, sandes de presunto com ovo estrelado, especialidade da casa, prego no pão com queijo da serra, caldo verde, pataniscas. Para acompanhar, vinho verde da região, e está completa a receita para uma tarde bem passada, até para celíacos, já que na ementa estão assinaladas as opções sem glúten. A rematar a decoração nas paredes rústicas, a imagem de São Gonçalo, em azulejos, e um estendal de fotografias instantâneas que os irmãos Fernando e João Paulo Carvalho tiram aos clientes que por aqui passam.
No largo onde vai desaguar esta rua de sabores encontramos um conceito mais contemporâneo, a primeira loja de pedra e cal da FOL Gourmet Popcorn em Portugal, aberta em dezembro. Foi no Porto que Gabriela Carvalho provou as pipocas da marca italiana e ficou rendida. «Adoro pipocas, a minha filha também, e não havia nada do género aqui, por isso pensei “porque não?”», conta. «Mas a abrir tinha de ser na minha cidade.» Ao todo são 30 sabores de pipocas, que vão alternando pelas nove opções disponíveis em loja. Há-as doces, agridoces e salgadas, com sabor a piza, malagueta, pistácio. «Os mais pequenos gostam muito das de chocolate, mas as mais populares são as de caramelo, as mais parecidas com as que comemos no cinema, e também as de cappuccino», explica Gabriela.
Chegada a hora de jantar, é quase mandatória uma visita à Taberna do Coelho, a cinco minutos do centro histórico. A especialidade da casa é o cabrito assado, capaz de render até os mais céticos. Quem o prepara é Filipe Coelho, que assumiu as rédeas da casa, depois de 52 anos ao cargo do pai, e que enquanto não arranja cozinheira lá vai também controlando a cozinha, seguindo os passos que aprendeu com a mãe. «Quando era pequeno, ajudava-a a temperar o cabrito e fui apanhando o jeito».
Ao cair da noite, nem a frescura de inverno afasta as pessoas do centro histórico. O Tílias Lounge, com vista privilegiada para o rio, é um dos lugares mais procurados pelos amarantinos para um serão tranquilo ao som de jazz, blues ou bossa nova. Adequa-se a todas as idades, em especial para quem privilegia conversas noite dentro, na companhia de amigos e gin, a bebida ex-líbris do bar. «O nosso objetivo era criar um ambiente sereno, onde as pessoas pudessem descontrair, estar em grupo sentadas à volta das mesas que dispomos pela sala, sem o alvoroço de um bar tradicional», explica Valter Teixeira, um dos proprietários. A varanda coberta, debruçada sobre a margem, convida a prolongar o serão e a apreciar o cenário noturno da cidade, embelezada com as luzes que se refletem no rio e no piso molhado. A paisagem transforma-se, e de um predominante tom verde vivaz, idílico, toma tons mais carregados, um tanto melancólicos, mas que ao mesmo tempo mantém uma serenidade que deixa saudade na hora da despedida.
Apreciar o legado natural
Em Amarante, território atravessado pelo Tâmega e ladeado pelo Marão, não faltam espaços naturais para explorar. É uma cidade tanto para percorrer a pé e para nos perdermos na paisagem, em parte minhota, em parte transmontana. Descendo as escadas que ligam o mercado municipal à margem do rio, encontram-se meia dúzia de barcos atracados que marcam o início de um percurso pedonal até às antigas azenhas, outrora movidas pela força da água que aqui corre forte devido aos rápidos. No verão pode-se atravessar aqui o rio. Na outra margem erguem-se milhares de árvores no centenário Parque Florestal de Amarante. São mais de cinco hectares de terreno para percorrer, onde desde 1916 se produzem várias espécies arbóreas destinadas à florestação da serra do Marão, entre elas ginkgo, uma das árvores mais antigas do mundo. Para um passeio mais prolongado há ainda a Ecopista do Tâmega, um percurso de 39 quilómetros que liga Amarante a Arco de Baúlhe, ao longo da antiga linha ferroviária que acompanha de perto, em grande parte do caminho, as sinuosidades do rio.
Promover a cultura na cidade
O movimento Gatilho começou como uma revista mensal de divulgação artística em 2013, e, acredita o fundador Gilberto Pinto, foi «o precursor do programação cultural em Amarante». Hoje, na Porta 43 da Rua Teixeira de Vasconcelos, «é raro estarem as paredes vazias», já que há sempre exposições temporárias. Ao longo do ano promovem uma concorrida agenda musical e desde 2015 organizam o FLIP – Mostra Internacional de Animação de Amarante. O objetivo é promover os artistas locais e trazer à cidade visões exteriores, ao mesmo tempo que fomentam a produção artística através de workshops e formação contínua em artes plásticas, abertos a todas as idades. Os aprendizes mais novos têm 5 anos, mas com a ajuda do formador Diogo Cardoso já fazem as primeiras experiências em edição de imagem e animação.
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