Opinião de Tiago Guilherme: A nostalgia das distâncias

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Na quinta dos meus tios aprendi a amar o meu Norte. Aquele onde só chegava depois de uma viagem de todo um dia.

Há 35 anos Portugal era muito maior. Não que o território tivesse mais quilómetros quadrados ou que ainda houvesse colónias. Era muito maior pelo tempo que demorávamos a chegar a destinos um pouco mais distantes. Não havia ainda autoestradas que rasgassem o país, os carros ainda não permitiam grandes velocidades e havia uma maior parcimónia nos gastos para longas deslocações. Eram, de facto, outros tempos. O Portugal anterior à então CEE, hoje União Europeia, era um país com poucas infraestruturas e com escassa diversidade de produtos.

Mas, ao mesmo tempo, tudo tinha uma outra magia. A viagem de Lisboa a Vila Real demorava um dia inteiro. E essa sensação de grande distância fazia da quinta dos meus tios em Trás-os-Montes um local muito especial. As vinhas, as macieiras, a capela, a casa onde o chão rangia. É claro que ser criança ajuda a toda uma construção fantasiosa dos locais, sobretudo para um miúdo urbano que vivia num apartamento e quase todas as brincadeiras raramente saíam das quatro paredes. Chegar a uma quinta onde se podia brincar livremente na rua era todo um mundo novo. Até porque era um tempo em que só existiam dois canais, sem internet e com pais bem mais descontraídos com os filhos do que os de hoje.

Depois das vinhas havia um muro que delimitava a quinta. Saltava-se esse obstáculo e havia um grande pinhal. Entrava-se em território proibido e desconhecido. E eu com os meus primos explorávamos essas terras, meio a medo, sem nunca desistir. Apanhávamos alguns sustos, com uivos que achávamos serem lobos que iriam atrás de nós ou com subidas e descidas por montes que poderiam dar em quedas. E os cheiros. Das uvas, das maçãs, das flores, das madeiras da casa, da terra. Também o olfato é importante nas nossas memórias. Depois era todo o amor e carinho que a tia ribatejana – oriunda de outra terra maravilhosa e encatada que é Tomar – casada com um transmontano vila-realense pode dar. O cuidado, os beijos, os abraços. Uma tia é uma segunda mãe. Pelo menos a minha é.

E foi com aquela quinta de Gravelos, com a cidade de Vila Real – a pastelaria Gomes, a Av. Carvalho Araújo, a Sé, o santuário romano de Panóias e Mateus – e com passeios até Pedras Salgadas e a Chaves que aprendi em criança o que era o Norte, ou parte dele. Porque o Norte não é todo igual. Porque Trás-os-Montes não é todo igual. Porque cada um de nós tem uma percepção do que é uma terra, uma cidade ou uma região. Na quinta dos meus tios aprendi a amar o meu Norte. Aquele onde só chegava depois de uma viagem de todo um dia e onde ia uma vez por ano ou de dois em dois anos. E por essa distância e por essa espera tornava o meu Norte um local ainda mais especial.

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