A estradas (e o rio) perfeito do sudoeste alentejano

O sudoeste alentejano pode já não ter locais verdadeiramente secretos, mas guarda uma série de postais quase perfeitos que muitos portugueses ainda desconhecem. Às vezes é preciso sair de estrada, mudar de rota, para encontrar o (melhor) destino.

«As melhores do mundo», suspira António Falcão enquanto abre uma ostra com a navalha. São grandes, gordas, 100 por cento alentejanas, nascidas e criadas no rio Mira, entre Vila Nova de Milfontes e Odemira. «A maior parte das ostras deixa um sabor demasiado salgado na boca. É forte mas imediato. Este fica por muito tempo», continua, com visível prazer.

É o único produtor da zona, um projeto relativamente recente mas que já produz 75 toneladas por ano, quase todas exportadas para França, onde são comercializadas como produto gourmet. As que sobram são usadas para fazer umas tainadas com os amigos. E não só. «Agora quase todas as semanas temos aqui um grupo de pessoas. Foi o Rui que teve a ideia. Chegam de barco, provam-se algumas ostras, faz-se uma caldeirada e bebem-se uns copos. Uma coisa simples», conclui. Uma experiência única.

Rui Catalão é o responsável pela empresa Duca. Apaixonou-se pela região há mais de duas décadas e organiza passeios de barco no rio. A viagem mais longa é entre Milfontes e Odemira, um percurso de 34 quilómetros que pode durar até sete horas, mas há passeios bem mais curtos.

Na verdade, basta uma pequena volta de hora e meia, de Milfontes até à Curva de Santa Maria, para beber este Alentejo (quase) desconhecido. Se possível ao pôr do sol. Um cliché? Sim, mas nunca se deve desprezar o poder de um cliché, sobretudo em viagem. «O rio está em constante mutação, devido às marés», comenta. «Fiz isto milhares de vezes e continuo a dizer que não há duas viagens iguais, seja pela paisagem, seja pelas pessoas».

O silêncio impera – já lá vai o tempo em que havia embarcações carregadas de carvão ou cereais –, nas margens a vegetação é densa e junto à água multiplicam-se os pássaros e as aves, da garça-real à águia-pesqueira. «A gente às vezes vai para tão longe e nem se lembra que tem lugares como este dentro de portas.» As palavras agora são de um dos passageiros, que juntamente com a mulher e os filhos escolheram terminar o dia de forma diferente. Rui está habituado a estas reações. «Então, valeu a pena?», pergunta no final, com um brilho nos olhos de quem já sabe a resposta.

 

Rio Mira

Rio Mira

Todos os caminhos vão dar ao mar

A rota é simples, e quase sempre a mesma, quando se fala em Sudoeste Alentejano. Pega-se no carro colocam-se as bicicletas e pranchas de surf no tejadilho e vão-se sucedendo as praias, costa adentro, costa abaixo, até chegar ao Algarve. De São Torpes – as refinarias industriais de Sines são uma espécie de porta de entrada para outra dimensão – à praia da Samoqueira, junto a Porto Covo, um areal protegido por rochas e água cor de postal: da praia dos Aivados, na Ribeira da Azenha, ali já perto de Vila Nova de Milfontes, à praia da Amália, no Brejão, onde a fadista portuguesa tinha casa. Dois outrora paraísos escondidos (não há qualquer indicação, só vai quem conhece, ou quem perguntar) ideal para fugir às multidões.

Já nada disto é novo, nem secreto, mas continua a valer a viagem. Tal como o Três Marias, casa de turismo rural na Ribeira da Azenha. Um espaço com uma dezena quartos, a poucos minutos da praia dos Aivados, já com sabor e cheiro a campo, que há quase uma década combina na perfeição tradição com modernidade, aquilo que hoje em dia parece ser o Santo Graal de qualquer unidade hoteleira.

A decoração é simples, leve, e os sabores caseiros, quer ao pequeno-almoço quer ao jantar. Comida alentejana, da terra, fresca, preparada por Joana, a quem Balthasar, o dono, dá carta branca. «Às vezes invento um bocadinho, mas a base é sempre regional», diz com humildade.

Por vezes é preciso sair da nossa estrada de conforto. Balthazar, suíço, sabe disso como poucos. «Tem de ir até à aldeia de São Luís. Há lá um restaurante novo. Também deviam fazer um passeio de barco no rio. Sabiam que há ostras no rio Mira? Fica um bocadinho longe do mar, mas vale a pena», sugere.


Viajar com margem para a descoberta

Não fica assim tão longe. São apenas dez quilómetros de distância. Dez quilómetros de janela aberta por entre um Alentejo verde mesmo no verão, rumo a uma aldeia do «interior», pequena, pacata, que tem no Varanda da Aldeia, restaurante aberto há pouco mais de dois meses, um novo ponto de referência.

Que ninguém venha à procura de peixe fresco, aqui os sabores são outros, petiscos, uma açorda ou uma posta de cação, de preferência servidos no primeiro piso, um edifício que manteve a traça antiga, em madeira, e potenciou a vista para o coração do Alentejo. «Temos recebido muitos caminhantes, pessoas que vêm fazer a Rota Vicentina. São sobretudo estrangeiros, gente com grandes preocupações ecológicas, nem sei muito bem como eles nos descobrem», questiona-se António Augusto Gregório, ele que depois de uma vida ligado à decoração de interiores tem a sua primeira experiência no universo da restauração.

A pé, de carro, de mota, os bons projetos e as melhores paisagens acabam sempre por se cruzar no caminho do viajante que deixa alguma margem para a descoberta. Projetos como o Enigma – Nature & Water Hotel, um quatro estrelas com piscina e spa no Vale do Juncal, em São Teotónio, um tipo de alojamento que também fazia falta a este Alentejo; o Kiosk Agapito, na praia de Odeceixe, já com sabor a Algarve, onde se pode beber um gin da casa, o Sul, destilado na Alemanha mas com raízes portuguesas; o restaurante Vicentino, na Zambujeira do Mar, inaugurado em junho, projeto de vida de dois amigos, Eduardo Vinhas e Rodrigo Alfacinha (um é produtor musical, o outro produtor de televisão) que não só fazem hambúrgueres artesanais como são capazes de inventar pratos de inspiração asiática ou preparar percebes na máquina de café. Eduardo garante que ficam mais rijos e sabem mais a mar; ou o DivePod. Um nome a decorar.

O primeiro centro de mergulho móvel a nível mundial, tudo pensado e construído de raiz por João Rosa, ex-publicitário, instrutor de mergulho e homem dos sete instrumentos. Não há mesmo nada igual em todo o mundo? «Não», repete João, com um sorriso. «Estou em fase de testes, ainda nem sequer fiz o lançamento oficial.» Encontramo-lo por acaso no Porto das Barcas, a caminho da Zambujeira, enquanto se preparava para mergulhar. O melhor nem sempre está à superfície.

Veja aqui o vídeo da viagem

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Reportagem publicada originalmente na revista Evasões, em agosto de 2016.




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