Quem passa no cimo do cabeço, tal como Rui Conduto fez durante tanto tempo, pouco se importa com o que haverá ao fundo da encosta. Meia dúzia de azinheiras, mato rasteiro, uma linha de água. Não fosse a insistência do anfitrião, e possivelmente ninguém se aventuraria por ali abaixo – afinal, ele próprio (e, antes dele, o seu avô) ignorou este pedaço de terra, «era demasiado inclinado, não havia animal que o desse lavrado». Por força das circunstâncias, este recanto sobrou como sempre foi, abrigado da mão humana, uma valiosa amostra de como o Alentejo em tempos terá sido. Já de véspera, Paula Conduto Mira, filha de Rui, havia insistido: «Amanhã têm de ver o minibosque.» E encarregou o pai, na sua ausência, de se certificar que estes quarenta hectares de Alentejo primitivo não ficavam por ver.
Desce‑se a encosta, e, sem se dar por isso, a planície dá lugar a um bosque abrigado, com loendros enormes à beira de um ribeiro, arbustos de murta, azinheiras cobertas de musgo. A pequena mancha de floresta pulula de vida, há pegadas frescas de javali, tocas de raposas, pássaros a chilrear. E, à beira das azinheiras, uma planta chamada mariola, «é ela que combate as doenças da azinheira, funcionam em simbiose», explica Rui, que desde miúdo percorre estes trilhos e ainda hoje se maravilha com tudo isto.
O minibosque cobre apenas um décimo da área da Herdade do Monte da Ponte. Nos restantes quatrocentos hectares, pastam vacas de raça alentejana e ovelhas merinas, o negócio principal da família Conduto. Há um par de anos, decidiram juntar‑lhe outra vocação, o agroturismo. Afinal, Paula, arquiteta de profissão, já havia projetado várias casas de turismo rural para outros, porque não fazê‑lo agora para si e para os seus? Num dos cocurutos da quinta, imaginou meia dúzia de villas em traços minimalistas e com abundância de luz natural. O AGROTURISMO XISTOS abriu portas em março, com a vocação de não ser apenas mais um sítio para dormir e tomar o pequeno‑almoço (com noites tranquilas e retemperadores inícios de dia, note‑se), antes um espaço para viver a natureza, os ritmos da terra, saborear a região. E isso inclui acompanhar Rui no trato do gado, workshops de cozinha e, claro, passeios guiados pelo minibosque, com identificação de plantas e apanha de túberas, murtas e outros ingredientes silvestres.
Da Herdade do Monte da Ponte a Beja leva‑se coisa de 15 minutos. À entrada, sobressaem as rotundas, os supermercados, o McDonald’s, os sinais de modernidade que teimaram em se instalar. E, por detrás, bairros de prédios, mas não é preciso avançar muito para encontrar o coração da cidade. Um pedaço de Alentejo que, como o minibosque de Rui e Paula, não foi ainda (muito) mexido. As casas são ainda brancas e as ruas estreitas e tortas, com nomes que só quem é de cá sabe entender – do Sarilho, do Sembrano, dos Açoutados. Alguns recantos precisam ainda de «carinho», mas nota‑se algum movimento de renovação e percebe‑se um potencial enorme – assim se consiga retirar os carros do centro histórico –, agora que o Alentejo está instalado como um dos grandes postais turísticos nacionais.
Álvaro Torres mostra‑se otimista com as obras na Praça da República, onde está para nascer o Centro de Arqueologia e Artes e as fachadas estão a ser recuperadas. Ele próprio encontra‑se em processo de mudança, com as obras do seu novo restaurante no número 9 da Rua Aresta Branco a andar a bom passo. Vai chamar‑lhe Museu do Vinho, com igual dose de atenção a ambas as componentes do nome: tanto terá em exposição artefactos relacionados com o vinho como uma carta desenhada com critério, assente na região. Até lá, «inícios de fevereiro», vaticina, mantém em laboração o PORTÃO DE SIBARIS, que abriu há dois anos, numa casinha pequena que populou de antiguidades e peças de arte.
Ou não fosse o próprio Álvaro artista, de olaria, de ferro, de vidro soprado – «artes do fogo», explica, «das quais a cozinha também faz parte». Não se estranha, portanto, o motivo que pôs um escultor diante do fogão. Também aí, usando os materiais da terra, ele exercita a sua criatividade. Pegando, por exemplo, nas migas e trabalhando‑as com vários ingredientes: cogumelos, pimento, alho, e na ideia traz já migas de algas, de ovas, de mexilhão. Por outro lado, não abre mão da cozinha internacional, a pensar em quem é de fora e, ao fim de uma semana de Alentejo, anseia por ligeirezas como massas, saladas ou substanciais tostas.
Matéria alentejana, criatividade própria é também a receita que Célia e João Dias seguem, vai para uma dúzia de anos, na MESTRE CACAU. A pequena loja é montra para um negócio que junta chocolate artesanal e ingredientes como o licor de medronho, a azeitona, o poejo, a alfazema. Para gostos mais conservadores, há também amendoins cobertos, creme de barrar com avelãs, duas dezenas de variedades de bombons avulso. Porém, se em Beja se fala de açúcar e tradição arreigada, há outra morada a reter, ao fundo da rua. A confeitaria LUIZ DA ROCHA está ali desde 1893 e, a avaliar pela fila que se instala diante do balcão por estes dias festivos, não acusa o passar dos anos. Além de bolos‑rei, filhós e afins, uma outra especialidade desperta a cobiça – o porquinho doce, uma criação que se suspeita ter origem conventual e junta, sob a forma de bacorinho, ovos, gila, amêndoa e cacau.
Agora, um salto no tempo: de um dos estabelecimentos mais antigos de Beja para aquele que é, provavelmente, o mais recente vão nem 400 metros. Júlio Roriz e José Dionísio abriram o restaurante OS INFANTES há um mês. Ou melhor, reabriram, que o sítio já tinha sido restaurante. E, antes disso, um emblemático bar/sala de concertos por onde passaram esperanças da música nacional como António Variações, Xutos & Pontapés, Mler Ife Dada. Talvez antecipando já os saudosismos do género «ah, se estas paredes falassem», Júlio e José fizeram‑nas «falar»: sobre as paredes caiadas, afixaram os pósteres originais dos concertos que ali aconteceram. Nada disto, contudo, serve de distração ao que se passa na mesa. A carta, traçada por Júlio, dá seguimento ao trabalho iniciado no Vovó Joaquina, de onde saiu para se lançar por conta própria, com pratos de gosto caseiro como fraca em vinho tinto, bacalhau à lagareiro, cachaço de porco com batata hasselback. Em querendo‑se, a noite não tem de terminar após o jantar.
No piso de cima, com entrada pela porta ao lado, fica o ESPAÇO OS INFANTES, que não só serve de bar como é também uma casa de cultura, com programação de concertos, workshops, teatro. «Não somos empresários da noite, somos uma companhia de teatro», explica Ana Ademar, atriz e gerente do Espaço, a meias com António Revês, também ator e diretor artístico da Lendias d’Encantar, uma das duas companhias profissionais da cidade. Se o sítio faz lembrar uma discoteca kitsch dos anos 1990, é porque de facto o foi, e quando pegaram nele há coisa de cinco anos foram mantidos alguns desses elementos, que, no fundo, são também parte da história. Quem passa lá fora pode nem dar conta do que há cá dentro. Chega‑se ao cimo das escadas e é como se se tivesse achado um pequeno tesouro. Tal como no minibos que da família Conduto.
EVASÕES RECOMENDA
COMER
PORTÃO DE SIBARIS
Travessa da Audiência, 1
Tel.: 925290571
Web: facebook.com/portaodesibaris
Das 12h00 às 15h00 e das 19h00 às 23h00. Encerra segunda ao jantar.
Preço médio: 20 euros
OS INFANTES
Rua dos Infantes, 16
Tel.: 936171317
Web: facebook.com/osinfantesrestaurante
Das 19h30 às 23h00. Encerra à terça e à quarta.
Preço médio: 20 eurosCOMPRAR
MESTRE CACAU
Rua Capitão João Francisco Sousa, 33. Tel.: 284326168
Web: mestrecacau.pt
Das 10h00 às 19h00. Encerra ao domingo.
LUIZ DA ROCHA
Rua Capitão João Francisco Sousa, 61. Tel.: 284323179
Web:luisdarocha.pt
Das 08h00 às 23h00; domingo, até às 20h00. Não encerra.
SAIR
ESPAÇO OS INFANTES
Rua dos Infantes, 14
Tel.: 284324172
Web: facebook.com/espacoosinfanteslde
Sexta e sábado, das 22h00 às 04h00; quinta, até às 02h00.FICAR
AGROTURISMO XISTOS
Herdade Monte da Ponte, EN122, km 18
Tel.: 284010202
Web: xistos.pt
Quarto duplo a partir de
85 euros por noite (inclui pequeno‑almoço)