Palmela: um roteiro pela terra do vinho, pão e Queijo de Azeitão

Fica nos arredores de Lisboa, a uns meros 40 quilómetros, mas nada tem de dormitório. Boa gastronomia, tradição longa de vinhos e vistas difíceis de esquecer marcam este pedaço de terra entre Tejo e Sado.

É ao atravessar a piscina, já no final da visita à Ca­sa Ermelinda Freitas, que surge a casinha de te­to baixo, pintada de bran­co, tão diferente dos edifí­cios que a rodeiam. É fácil perceber que não está in­tegrada na visita; afinal, foi nesta casa que nasceu Leonor Freitas, a mulher que revo­lucionou o negócio familiar, dirigindo hoje uma das maiores produções vitivinícolas da península de Setúbal.

Foi em terras de Fer­nando Pó, a meia hora de carro de Palmela, que Leonor cresceu, a acompanhar no cam­po a avó Germana Freitas, cedo viúva. E a vê-la gerir a casa agrícola, onde a venda do vi­nho a granel sempre fora uma realidade des­de o tempo da bisavó Leonilde.

Os estudos e o trabalho levaram Leonor para Setúbal, mas acabaria por voltar após a morte do pai, para ajudar a mãe, Ermelinda, com o negócio. «Quando voltou, sabia pouco do setor. Começou a plantar Touriga Nacio­nal e todos comentavam que estava maluca», conta Camélia, enquanto acompa­nha a visita.

Afinal, esta acabaria por ser a pri­meira de 27 novas castas plantadas num solo arenoso, que a gente da terra dizia só acolher bem Castelão e Fernão Pires.

Hoje, quase me­tade da produção é exportada. Os 60 hectares de vinha iniciais cresceram para 440 e embalam-se três mil garrafas por hora. Um proces­so que pode ser observado graças a uma nova estrutura e um corredor-varanda, instalado em maio do ano passado, permitindo ao visi­tante acompanhar as várias fases de produ­ção sem interferir.

A visita inclui passagem pela Sala de Ouro, onde estão os prémios, vi­sitas à adega nova, cave principal dos reservas e ao museu ou Casa da Memória. Conhece-se a história, o processo, as várias linhas da Ca­sa Ermelinda Freitas, desde a gama de entra­da Dom Campos aos monocastas e reservas, e ainda se provam cinco vinhos.

Sem fugir ao assunto do vinho, e pegan­do na história de outra mulher que rompeu a tradição familiar da venda a granel para criar o seu próprio vinho, rumemos ao cen­tro histórico de Palmela. Na Rua Heliodoro Salgado, a antiga adega da família Atalaia re­cebe hoje visitas guiadas e dá a conhecer os seus vinhos aos hóspedes, que dormem do outro lado da rua. O mérito é de Lurdes Ata­laia, ex-professora, que decidiu engarrafar o vinho de família em 2011 – e que desde ju­nho passado gere também o turismo de ha­bitação Casa de Atalaia.

O edifício fora comprado pelo avô em 1926 e herdado pela mãe e pelo tio, que mandou abrir o teto da sua parte em 1975, com medo da ocupação pós-25 de Abril. Estava em ruí­nas quando Lurdes decidiu fazer as primei­ras intervenções, em 2000. Mas foi também o céu aberto que a inspirou a criar uma grande claraboia, cuja luz atravessa o primeiro an­dar da casa e chega à receção, no rés-do-chão.

Verdade seja dita, esta é uma casa fácil de gostar, onde se respira a história da famí­lia e da vila. São apenas quatro quartos, em três pisos, onde a decoração moderna casa bem com o mobiliários dos pais de Lurdes e todas as divisões têm nome de um local de Palmela. O último quarto homenageia o cas­telo, visível desde o terraço, onde fica tam­bém a piscina.

Olhando em frente avista-se um imenso jardim verde, a que a população chama «es­planada», e que sobe do centro histórico até ao castelo. No topo, já dentro de muralhas, há um cenário ainda mais memorável para ver: o estuário do Sado, Troia e o Parque Na­tural da Arrábida, onde está inserida tam­bém a serra do Louro e a sua fileira de moi­nhos de vento.

Para os ver de perto, é preciso sair da vi­la, em direção à freguesia da Quinta do Anjo. A segunda rotunda assinala a estrada para o Centro Moinhos Vivos da empresa Biosani, que detém dois dos engenhos. «Existem uns sete ou oito, um está à venda por um milhão de euros, mas os nossos dois são os únicos que trabalham», diz um dos funcionários da em­presa. Ali fazem-se visitas aos antigos moi­nhos, que moem cereal apenas para os visi­tantes, e as famosas burricadas, os passeios de burros pela serra durante uma hora, até se avistar o Sado.

 

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À noite, a serra ganha agitação graças à pequena padaria dos Moinhos Vivos, onde dois padeiros trabalham noite fo­ra para fazer pão de forma artesanal, em for­no a lenha. Há de alfarroba, cereais e mel, es­pelta, kamut e aveia, e encontram-se facil­mente em vários pontos de venda na região.

E porque pão e vinho pedem também queijo, vale a pena seguir até à Quinta do Anjo, a freguesia onde se concentra a maio­ria dos produtores de queijo DOP de Azeitão. O corre-corre na premiada Queijaria Si­mões começa de madrugada, com a chega­da do leite cru de ovelha. Todos os dias são produzido centenas de queijos amanteigados que seguem para o mercado, após 25 dias de cura.

Rui Simões, antigo serralheiro, lançou-se no negócio há 25 anos com a mulher, de­pois de terem aprendido a arte do queijo ligei­ramente ácido e salgado, ainda de forma ar­tesanal. «Na verdade o queijo de Azeitão não é de lá, foi um beirão que trouxe para Azeitão as suas ovelhas leiteiras e todos os anos pedia a um queijeiro que lhe viesse fazer o queijo da serra», conta o proprietário, cuja queijaria produz também manteiga de ovelha, queijo fresco e requeijão.

Estes, tal com o de Azeitão, podem ser comprados, ao lado, na loja da quei­jaria (custam entre 2 a 5 euros), onde no verão também há sessões de degustação.

Em dezembro do ano passado, Rui arriscou numa nova aventura, que repete nes­te ano: os bombons de chocolate italiano e queijo de Azeitão com doce de maçã riscadi­nha ou licor Arrabidine. Sabores fortes que, a um mês do Natal, já são aqui vendidos em caixas douradas de oito unidades.

O queijo e o vinho também fazem parte do ofício dos irmãos Alcanenas, assim co­nhecidos devido ao restaurante que a sua mãe tem, há mais de 20 anos, na Quinta do Anjo. Em 2009, dois deles, Joaquim e Luís Miguel, abriram o Dona Isilda, em home­nagem à matriarca. O salão, com capacidade para receber até 500 pessoas, é famoso pe­lo seu buffet de excelência, com mesas fartas de queijos, enchidos, entradas, mais de vinte pratos à escolha, já para não falar na diversidade de sopas e sobremesas, como a típica pera bêbeda em moscatel de Setúbal.

Quem sonha com a verdadeira comida de tacho tem, a um minuto ou dois, o pouso perfeito no restaurante Pérola da Serra. Er­nesto Rodrigues, que deu seguimento ao ne­gócio familiar, fala com gosto da qualidade dos produtos que escolhe e do peixe do mer­cado de Setúbal. E o sabor não mente. Nin­guém tem vergonha de terminar o enorme arroz de feijão e gambas, a caldeirada à setu­balense ou a açorda de marisco. Aos fins de semana, a afluência é tanta que se torna im­perativo chegar cedo.

De barriga cheia começa-se a pensar na despedida, não sem antes um último trajeto ao centro de Palmela. Junto à biblioteca e ao Teatro São João encontra-se a Casa Mãe da Rota de Vinhos da Península de Setúbal, que reúne produtos e informações das 21 adegas visitáveis da região, podendo mesmo agilizar contactos para visitas. Serve tam­bém de espécie de cafetaria, servindo pro­dutos da região, como gelado de moscatel ou maçã riscadinha e os doces típicos: tor­ta de Azeitão, santiagos, fogaças de Palme­la. Porque Palmela não é apenas pão, quei­jo e vinho.

Evasões recomenda

Comprar

Queijaria Simões
R. D”El Rei Dom Dinis, 40, Quinta do AnjoTel.: 212881363 Web: queijariasimoes.com
Das 07h00 às 12h30 e das 13h30 às 16h00; sábado até às 12h00. Encerra ao domingo.

Casa Mãe da Rota de Vinhos
Largo São João Baptista, 1
Tel.: 212334398
Web:rotavinhospsetubal.com
Das 10h00 às 19h00; domingo, a partir das 19h00. Não encerra.

Visitar

Espaço Fortuna
Uma loja de cerâmica, um ateliê de artesãos, um espaço de exposições e workshops. É difícil definir o Espaço Fortuna, mas fica a certeza de que vale a pena passar por esta quinta encantada, onde não falta restaurante nem uma esplanada para ver o pôr do Sol na companhia de um chocolate quente.

EN379, Quinta do Anjo
Tel.: 212871068
Web: espacofortuna.com
Das 09h00 às 18h00 (loja). Encerra ao domingo.
Workshops a partir de 15 euros

Centro Moinhos Vivos
Casal de S. Isidro, Serra do LouroGPS: 38.5672, -8.9128
Tel.: 212333019
Web: moinhosvivos.pt

Visitar

Casa Ermelinda Freitas
Rua Manuel João Freitas, Fernando Pó
Tel.: 265988000
Web:ermelindafreitas.pt Visitas guiadas das 09h00 às 17h00.
Preço: 10 euros por pessoa, para grupos até 12 pessoas (inclui prova de 5 vinhos)

Dona Isilda
Rua da Serrinha, São Brás Tel.: 212333255
Web: restaurantedonaisilda.com
Das 12h00 às 16h00 e das 19h00 às 23h00. Encerra à terça.Preço (buffet): 20 euros

Pérola da Serra
Rua Dr. Bernardo Botelho, 46
Tel.: 212350240
Web: peroladaserra.pt
Das 12h00 às 15h00 e das 19h00 às 22h00. Encerra à terça.
Preço médio: 17 euros

Ficar

Casa de Atalaia
Rua Heliodoro Salgado, 39 (Palmela)
Tel.: 212350072
Web: casadeatalaia.com
Quarto duplo a partir de 100 euros por noite (inclui pequeno-almoço)




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