Óbidos: a vila medieval que se mantém genuína

Numa vila muralhada sempre cheia de turistas há vários locais que se mantêm fiéis às suas origens. E aqueles que, sendo novos, buscam a tradição e saberes antigos. De caminho, desenterra-se histórias que também fazem a História de Óbidos.

Poucos serão os portugueses que nunca foram a Óbidos pelo menos uma vez na vida. A pequena vila muralhada é um dos cartões-postais de Portugal e mesmo lá fora tem vindo a ganhar fama, tanto pelas suas ruas e ruelas bem preservadas, como pela ginja, pelas livrarias e pelos vários festivais ao longo do ano. O sucesso turístico tornou-a apetecível ao comércio de recordações, pleno de inspirações medievais, artesanato mais ou menos local, discos de fado, T-shirts alusivas a temas portugueses e garrafas de ginjinha nem sempre de boa qualidade.

Aliás, já que se fala da ginjinha, é bom recordar onde surgiu. Basta percorrer a concorrida Rua Direita quase até ao fim e entrar no bar IBN ERRIK REX. Espadas, escudos, espingardas e desenhos de temática medieval é aquilo com que o visitante se depara logo que entra. As mesas corridas de madeira maciça ajudam a criar um ambiente antigo, quase teatral. «Foi nesta casa que nasceu a ginjinha de Óbidos», conta Bruno Nobre. «Isto começou por ser antiquário com o senhor Montez. Ele veio para Óbidos, meteu-se no negócio das velharias e depois começou a oferecer aos clientes a ginja que ele aqui produzia», continua o atual proprietário, cujo pai, António Tavares Nobre, comprou o espaço a José Montez em 1975. «Percebeu que fazia mais negócio a vender álcool do que a vender antiguidades e o antiquário foi passando lentamente a bar.»

O senhor Montez era uma personagem quase mítica em Óbidos. Conta-se que as suas velharias eram de origem duvidosa e que enterrava espadas para depois vendê-las como sendo de D. Afonso Henriques. Terá vendido centenas delas. Também contava que uma estatueta de madeira de Nossa Senhora de Fátima que ali tinha era do século XVII, quando as alegadas aparições terão ocorrido em 1917. Ou ainda duas caveiras que encontrou no seu quintal. Um cliente perguntou de quem era a maior e Montez disse prontamente que era de Napoleão. E a pequena? «De Napoleão em criança», respondeu. Claro que só caía quem queria, mas as histórias ficaram no imaginário da vila.

E a ginja? «Até aos anos 1990, esta era a única casa que vendia ginja, antes do boom do turismo e dos festivais. Depois a coisa alastrou. Inicialmente o senhor Montez fazia-a aqui no bar, mas depois deixou de ser possível e agora temos um engarrafador, a Frutóbidos», conta Bruno, enquanto enche um copo de ginja para oferecer e provar que só serve a de boa qualidade. E explica como era produzida: «A ginja é como os licores, um processo relativamente simples, por isso é que as pessoas faziam em casa. Em jarros de vidro, colocava-se a ginja dentro da aguardente e no final acrescentava-se um pouco de açúcar. E havia quem misturasse vinho e especiarias como a canela.». Já o processo levava alguns meses: a ginja era colhida em junho e ficava em garrafas de vidro ao sol e só a partir de outubro ou novembro começava a consumi-la. O Ibn Errik Rex foi assim pioneiro tanto como bar da vila medieval como produtor da famosa ginjinha. Depois, sobretudo a partir dos anos 1990 começaram a aparecer outros bares, também com ginjinha, com decoração e ambiente à imagem do bar do Montez.

A busca pelo genuíno da vila medieval prossegue. Também na Rua Direita – quase tudo está nesta artéria, incluindo o MUSEU MUNICIPAL que tem exposições temporárias e obras de Josefa d’Óbidos – se encontra a CAPINHA D’ÓBIDOS. Trata-se de uma padaria e pastelaria com apenas um ano e meio nesta rua – já houve outra dos mesmos donos fora das muralhas –, que se rege pela tradição. Tem vários produtos com receitas da região e feitos em forno a lenha, sendo atracão principal o bolo que dá nome à casa, também conhecido como bolo das noivas, em tempos uma recordação de casamento. A receita foi passada de geração em geração e já tem 130 anos sem qualquer alteração. «Nos dias de hoje só duas pessoas a sabem», explica orgulhosa Anabela Capinha, a proprietária. Além da especialidade, há ainda bolachas de coco, broas de mel e azeite, biscoitos de limão, broas de batata-doce, entre outras variedades.

Para cumprir o propósito do genuíno à mesa, há que sair das muralhas. Ainda em Óbidos, mas junto ao Santuário do Nosso Senhor Jesus da Pedra, um templo hexagonal inserido numa circunferência. Se as portas estiverem abertas, vale a pena entrar, apesar de alguma degradação e abandono da zona envolvente. Mas é aí mesmo que está o restaurante O CALDEIRÃO. Os pratos do dia, que vão variando, podem incluir filetes de polvo e eisbein (joelho de porco) no forno. Filetes esses à altura das expectativas, mas sublinhe-se o eisbein, com cogumelos, couve e puré, que se revelou surpreendente e merecedor de regresso. A sala, de paredes brancas com pormenores em pedra, é de estilo rústico com inspirações medievais, como quase tudo em Óbidos. Bom, quase tudo.

No BOM SUCESSO RESORT, embora profuso em matéria de estilos arquitetónicos, em lado nenhum parece ter havido inspiração medieval. Fica junto à Lagoa de Óbidos, já mais perto do Atlântico, e prima pela modernidade. Das seiscentas moradias projetadas, metade está finalizada e 115 são para turismo (as restantes para residência), mas todas têm assinatura de um dos 23 arquitetos convidados. Siza Vieira, Carrilho da Graça, Egas Vieira, Graça Dias, Inês Lobo, Souto de Moura, Gonçalo Byrne são alguns dos nomes que projetaram ruas inteiras do resort. Os clientes que queiram arrendar uma moradia podem fazê-lo indicando o arquiteto preferido. Se é verdade que o golfe tem aqui um papel primordial, também é certo que é um resort preferido por quem procura paz em família. E sim, esta também é uma escolha pela genuinidade em Óbidos. Não imita nada, é uma proposta original onde a arquitetura surge em todo o seu esplendor. E não é Óbidos isso mesmo?

 

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