Covilhã: Muito mais do que uma porta para a Serra da Estrela

A hotelaria, a restauração, os bares e a oferta cultural estão a crescer nesta cidade beirã. Muitos deles unidos por um fio de lã, o material que, apesar do fim da indústria dos lanifícios, continua a fazer parte da sua essência.

«Covilhã cidade neve/ Fiandeira alegre e contente/ És o gesto que descreve/ O passado heróico e valente». O fado imortalizado por Amália Rodrigues em 1971 continua a ser uma espécie de hino da cidade. Se é verdade que a proximidade da serra da Estrela sempre foi uma das suas bandeiras, já a ligação à indústria dos lanifícios – a «Manchester Portuguesa», era assim que alguns lhe chamavam – terá sido durante muito tempo subaproveitada em termos culturais, arquitetónicos e turísticos. Sim, a Universidade da Beira Interior teve na Engenharia Têxtil um dos seus primeiros cursos e as suas instalações resultam, sobretudo, da reconversão de antigos edifícios têxteis, ainda assim, a comunidade foi vivendo numa espécie de limbo. Os estudantes chegavam, divertiam-se, formavam-se e iam-se embora, enquanto a população envelhecia e as fábricas continuavam ao abandono.

A Fábrica António Estrela/Júlio Afonso poderia ter sido uma delas, mas Francisco Afonso não deixou. «Cresci aqui, passei aqui a minha vida quase toda, não podia desperdiçar este património», diz. Em 1904, a fábrica recebeu um prémio quando da Exposição Universal de St. Louis, nos Estados Unidos; em 1976, Júlio Afonso foi também distinguido com um prémio internacional; em 2002, já com Francisco à frente e com a indústria dos lanifícios em declínio, decidiu que era melhor parar. Mas não morrer.

Apesar da dimensão (dez mil metros quadrados) foi fazendo a manutenção, guardando os arquivos, os teares, o fio e, mais de dez anos depois, abriu uma «fábrica de cultura», o New Hand Lab. Um Lx Factory da Beira? «Não, respeito o que eles fazem em Lisboa, mas aqui não se aluga um espaço, não se paga mensalidade, trabalha-se em conjunto. Uma percentagem das vendas é para ajudar o projeto.» Design, fotografia, vídeo, escultura, pintura, artesanato, sala de ensaios, de concertos, performances, peças de teatro, uma zona de exposição, cafetaria com vinho a copo e chaleira constantemente ao lume, tudo parece caber cá dentro. Francisco faz-nos uma visita (há visitas guiadas duas vezes por dia) e apresenta alguns dos artistas.

Não apareceram para a fotografia, estão cá quase sempre. Como Jorge Luís, reformado, antigo dono de uma loja de eletrodomésticos, pintor. «Cumpro um horário normal de trabalho», diz, pincel na mão, dezenas de quadros à volta. João Rui Frade, antigo desenhador de máquinas, é agora urban sketcher e passa os dias a desenhar a cidade. Já Ana Almeida, mulher de Francisco, professora universitária, faz bonecos à mão, de lã, muitos deles inspirados nas lendas das Aldeias Históricas.

Gente que ocupa os seus tempos livres, reaviva uma paixão, e jovens artistas com obra feita, que fazem disto vida. Miguel Gigante, estilista que trabalha o burel (tecido artesanal, feito de lã) há quase uma década, tem umas instalações e marca própria (Atelier do Burel), mas é para aqui que vem quando precisa de criar, desde malas de senhora a peças de vestuário. João Pedro Silva, formado em Sociologia (na UBI), trabalhou vários anos na área até que decidiu dedicar-se à fotografia. João M2 Inácio, o mais novo grupo, ex-aluno de cinema também na UBI, está a realizar a sua primeira longa-metragem, depois da curta A Paixão do Operário. A maior parte das cenas foi rodada no meio dos teares.

Da fábrica vê-se a ponte projetada por Carrilho da Graça, inaugurada em 2009. Uma ponte pedonal sobre o vale da Carpinteira que foi considerada pela revista norte-americana Travel & Leisure como um dos trabalhos de design mais importantes do mundo. A construção desta ponte e de um conjunto de elevadores e funiculares mudou por completo a mobilidade dos habitantes. E não só. «Antigamente só os mais novos é que podiam andar na cidade. Era muito cansativo. Nem os turistas aguentavam. Iam para a serra e poucos paravam», diz um idoso, em pleno Elevador do Jardim. Um elevador público, gratuito e panorâmico. «Isto agora está diferente. Até temos desenhos nas paredes, já viram?».

Já não é novidade, mas continua a ser um choque positivo encontrar uma cidade pequena, de província, com as paredes repletas de graffiti. Tudo começou em 2011, com o Wool – Festival de Arte Urbana na Covilhã, que levou até à cidade alguns dos melhores artistas portugueses e internacionais. Em 2014 houve uma nova edição, em 2015 um evento mais pequeno, devido a falta de apoios, e tudo indica que o festival regresse em 2017. Se «wall» significa «parede», «wool » quer dizer… «lã».

O projeto era ambicioso, mas a população reagiu bem. «Quem reagiu melhor até foram os mais velhos», confessa Pedro Rodrigues, um dos responsáveis pela organização. «Sentiram-se representados. » A obra de Btoy (Andrea Michaelson) é apenas um dos exemplos: um pastor em formato gigante, no Largo da Nossa Senhora do Rosário. Ou a dos artistas Mar & Ram, junto à Igreja de Santa Maria, revestida a azulejos azuis e brancos. Também eles fizeram um pastor, mas um pastor surrealista, sem cabeça e uma ovelha gigante com três cabeças. Intervenções efetuadas, sobretudo, no centro histórico, zona durante muitos anos negligenciada a que «muita gente já quase não visitava, pois não havia nada para fazer», acrescenta Pedro. Agora há. E não só graffiti.

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Locais como o Arroba Tapas & Wine Bar, uma casa de tapas, petiscos, gin, cocktails e vinhos, ou a Taberna Laranjinha, A Tentadora – de Pedro Rodrigues e da mulher, Elisabete, uma mercearia moderna à antiga e também espaço de cowork e exposições – ou o Cinco Atelier, de Joana Sena e Ana Gonçalo. Desenvolvem trabalho em áreas como a arquitetura, design de interiores, design gráfico, artesanato e moda. «Isto não é uma loja, é um espaço de trabalho», refere Joana. Mas estão sempre de portas abertas para receber um cliente, fazer um workshop (de feltragem, tecelagem ou croché), divulgar os produtos da terra, trabalhar em rede. «Queremos que haja um roteiro, quer para as pessoas de cá querem para quem nos visita.»

Recomenda ainda locais com a Valice (loja de produtos de decoração), o North Walls (pub irlandês) a Casa com História (uma bonita casa de início de século XX transformada em turismo de habitação) ou o Biblioteca Café Concerto, uma antiga biblioteca, renovada em 2015 e feita bar e sala de concertos, onde se pode beber um Wild Snow Dog, gin produzido na Covilhã. Uma cidade que se vai desenrolando, pouco a pouco, que nem um novelo.

 

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