Restaurante Ferrugem: gastronomia minhota depurada

O Ferrugem faz onze anos e está a celebrar o aniversário convidando chefs de todo o país a preparar jantares mensais a quatro mãos, com a cozinha minhota do chef Renato Cunha, situada numa aldeia entre Famalicão e Braga, a fazer casamentos felizes com outras ideias, produtos e temperos.

Como tem sido, nestes onze anos, manter um restaurante de cozinha de autor fora de uma grande cidade?
É um desafio permanente, é preciso ter um conjunto de argumentos para convencer as pessoas de que vale a pena fazer uma viagem para chegar aqui à aldeia, em pleno Minho. O facto de estarmos aqui no meio do nada tem o seu encanto, é como fazer uma caça ao tesouro (embora com as novas tecnologias seja fácil chegar a todo o lado). Acho que, a esse nível, o Ferrugem tem feito um trabalho exemplar.

Além de ser um desafio, é também um manifesto seu contra a centralização dos restaurantes gastronómicos nos centros urbanos?
Não contra, mas como complemento. O Minho é, para mim, a região do país com mais espólio gastronómico e, ao contrário de outras regiões, aqui as localidades são menos dispersas. Por exemplo, num raio de 30 quilómetros à volta de Famalicão tenho cerca de 12 sedes de concelho, cada uma com a sua receita de papas de sarrabulho. Tendo o Minho uma densidade gastronómica e cultural tão grande fazia sentido um restaurante que apresentasse a gastronomia minhota de forma mais contemporânea e depurada em relação ao registo tradicional. Sem fundamentalismos, porque há sempre alguma influência do mundo e a cozinha não é algo estanque. Mas o nosso ponto de partida é a cozinha minhota e, em seguida, a cozinha tradicional portuguesa.

Como descreve o património gastronómico minhoto?
O Minho tem mar e campo, por isso temos a influência atlântica e depois temos tudo o que é de pasto e prato. Há muita riqueza e diversidade. Depois, é historicamente uma região pobre e o registo gastronómico é sempre de aldeia, de comida muito direta, de produto simples, caseira, não palaciana, com uma imaginação muito grande. É provavelmente a região que melhor tira partido dessa lógica de que a melhor forma de homenagear um animal que se sacrifica é usá-lo integralmente, as tripas, o sangue. Isso reflete-se nos sarrabulhos, nas famosas cabidelas. Também temos as tripas enfarinhadas, que aqui se usam como em mais lado nenhum. Ou peixes como a cavala, a faneca, peixes miúdos que são preteridos noutras cozinhas e têm um valor gastronómico incrível.

De que forma essa cozinha de aldeia pode ser interpretada na alta cozinha?
Há alguns chefs de cozinha internacionais que estão à procura desse produto dito menos nobre, mas que é aquele que muitas vezes permite criar a surpresa, como por exemplo as vísceras. A tendência pelo mundo fora é cada vez mais pegar nos produtos simples, como diz a máxima, fazê-los extraordinariamente bem. A sofisticação hoje já não passa pelo barroco mas sim pela simplicidade, em exibir o produto da forma mais pura e genuína. A cozinha local tem esse espólio, passá-lo para um registo de sofisticação muitas vezes é um exercício mais fácil do que aquilo que parece.

Vários chefs têm-se dedicado a reinterpretar o produto e a cozinha popular. Esse poderá ser o caminho que segue a alta cozinha?
Acredito muito nessa tendência e acho que o futuro da cozinha em Portugal passa por isso. Há uns anos atrás, um restaurante de fine dining era uma de cozinha internacional, servia magret de pato e os clássicos afrancesados. Este novo exercício de estar perto das velhinhas que cozinham, do pescador que faz a sua caldeirada, dos produtores para redescobrir coisas quase esquecidas. Nos jantares do Ferrugem temos feito algo que já não se faz, como cabidela de garnisés ou sopa seca com caldo do cozido. Faz todo o sentido trazer para o fine dining aquilo que são as nossas raízes populares, acho que esse é o novo caminho da cozinha portuguesa.


Onze jantares em onze meses
Até ao final do ano, exceto em agosto, o Ferrugem promove todos os meses um jantar especial, com um chef convidado. Pelo restaurante, vão passar chefs de estilos e idades diferentes, que vão criar com o chef residente um menu de degistação surpresa. O próximo convidado é Arnaldo Azevedo, do restaurante Palco, do Hotel Teatro (Porto).

 

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