Quinta do Quetzal: vinho, mesa e arte na Vidigueira

A longa ligação de uma família holandesa a Portugal deu frutos: primeiro, vinhos alentejanos de grande perfil, que estagiam ao som de música clássica 24 horas por dia. Depois veio a arte contemporânea, um restaurante de traço apurado e a experiência de juntar tudo isto de olhos na vinha, na Quinta do Quetzal, Vidigueira.

Um presente. Vinte e dois hectares de vinha no Alentejo foi o que Cees e Inge DeBruin ofereceram à filha mais velha como presente de casamento. Não que a família tivesse qualquer tradição no negócio do vinho. Mas tinham, já na altura, uma forte ligação ao Sul de Portugal, encetada quando, nos tempos do pós-25 de Abril, compraram uma casa em Silves que viria a tornar-se seu refúgio de férias. Ligação essa que não só se manteve como ganhou raízes e cresceu. E, em finais de 2016, deu novos frutos: um centro de arte moderna de nível mundial.

De volta à vinha: os 22 hectares cresceram palmo a palmo, à medida que os DeBruin foram comprando as parcelas vizinhas, dispersas por sete famílias diferentes. Chegaram aos 50 hectares e deram-se por satisfeitos. Doze anos após a primeira colheita, a Quinta do Quetzal produz 200 mil garrafas/ano e, números avançados por Reto Jörg, não pretendem ir além das 270 mil.

Reto é o diretor-geral da quinta, um suíço alto e bonacheirão que se deixou seduzir pelos vales da Vidigueira. Com sorte, é ele que guia a visita à adega que os DeBruin construíram em 2006, encaixada numa encosta e desenhada para que o processo de vinificação decorra por gravidade.

A visita segue a mesma a ordem. Primeiro, um terraço com generosa vista sobre as vinhas, de onde o anfitrião aponta as diferenças de terroir, incríveis para tão pouca porção de terra: no cimo do cabeço, solos mais pobres, onde são produzidos os topos de gama; no fundo, as terras de aluvião, mais férteis.

 

Na sala de provas, é medida a distância entre ambos, com dois brancos antão vaz, casta-rainha da Vidigueira, a servir de bitola: maior acidez no proveniente de terras altas, evidência de estrutura no de vinhas fundeiras. Um contraste surpreendente, ao repararmos, do cimo do terraço, tratar-se de videiras separadas por nem 500 metros de ladeira.

Desce-se um nível e entra-se nas áreas de desengace, pisa e fermentação, com o processo de vinificação por guião. Até que se chega à cave de barricas, onde, em vez do silêncio sepulcral que se espera, há música ambiente 24 horas por dia. Não há estudos científicos que o corroborem, mas Reto é um homem de convicções: «Acreditamos que o vinho melhora com as ondas da música clássica.» Mal, esclareça-se já, não faz. Mas esse é um daqueles assuntos que, querendo-se, se pode tirar a limpo. Basta regressar à luz do dia, atravessando o jardim de aromáticas que leva até ao segundo edifício da adega, inaugurado em setembro de 2016.

É um volume de traço sóbrio, que se projeta encosta fora, com o xisto como elemento dominante. Nele cabem a loja da quinta e o restaurante Quetzal. E também um centro de arte que é uma raridade – pela riqueza do acervo e por estar aqui, arredado dos circuitos culturais tradicionais. É ali que, muito discretamente, está exposta a coleção da família DeBruin, que a revista Art News listou entre os 200 maiores colecionadores do mundo em 2010. Ao todo, cinco mil obras, mais de quinhentos artistas, nas áreas de pintura, escultura, desenho, vídeo e instalação, muitas delas emprestadas a museus de primeira linha, como a Tate de Londres e o MoMA de Nova Iorque. E que agora ganharam uma casa «fixa», no coração do Alentejo, onde são apresentadas em exposições temporárias.

Alimentado o espírito, pensa-se no estômago. Vencidas as escadas que levam à sala luminosa do restaurante Quetzal, são os olhos que levam a maior barrigada – de vista, pelas vidraças que acompanham a sala a todo o comprimento, com muita vinha para admirar, e de mais arte, com o painel de azulejos Viúva Lamego que ocupa toda a parede do fundo.

A decoração, assinada pelo ateliê Anahory & Almeida, privilegia também as madeiras de carvalho, os mármores de Estremoz, o mobiliário de desenho nacional. Entretanto, saciados, os olhos firmam-se no prato: ovos com silarcas, tomatada de galinha, pataniscas de mogango, peixinhos da horta com mostarda de pimento, empadas de caça, tudo petiscos alentejanos que fazem justiça ao vinho da casa.

A carta, desenhada por Pedro Mendes, chef de longa ligação à região, é posta em prática no dia-a-dia pelo jovem João Mourato, alentejano de Portalegre, que mal chegou se entusiasmou com os cogumelos que crescem pela herdade. A ideia, afiança Pedro Mendes, é «dar às pessoas cozinha regional, bem feita». Com um toque criativo, ou não fosse ele o chef que em 2013 deu à bolota um lugar na alta cozinha, mas «sem pretensões, com respeito pela tradição e pelas receitas». Acima de tudo, simplicidade, também ela uma arte.

 

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Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo. Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.

 




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