A conversa estava marcada para as seis da tarde, mas Kiko Martins só chegou perto das sete. Existem, no entanto, variantes na sua rotina que ajudam a desculpar o atraso. Nesse mesmo dia, às cinco e vinte da manhã já estava a correr em Monsanto, seguindo‑se o pequeno‑almoço com a família e o hábito, de que não abdica, de levar os miúdos à escola. A partir daí, andou numa roda-viva entre reuniões, testes de ementas e de novos produtos, Pilates, mais reuniões…
«Tento estar presente onde sou preciso», confidencia. A sua atenção vai agora quase toda para O Asiático, mas quando se está à frente de um grupo que emprega 120 pessoas e serve uma média diária de 600 refeições — são três restaurantes, uma cafeteria e um catering —, é preciso estar em diferentes frentes ao mesmo tempo.
«Sou bom a fazer cozinha, a pensar cozinha e a comunicar cozinha, mas não sei fazer tudo. Tenho a sorte de ter uma grande equipa», revela.
Não será demasiada coisa? «Sou um bocado hiperativo, tenho bicho-carpinteiro no sentido em que preciso de projetos diferentes. Não diria que sou irrequieto, porque preciso de tempo para pensar… Não gosto é de me sentir estagnado.» Esta inquietação está nos seus restaurantes: «Quando montei O Talho em 2013, a seguir à volta ao mundo [que resultou no livro Comer o Mundo], fui assediado para abrir réplicas. Decidi que não ia ter mais Talhos; queria fazer outras coisas.»
E fez. Formado em Gestão de Marketing, com passagem pela Escola Cordon Bleu e por restaurantes como The Fat Duck (Reino Unido) ou o Eleven, chegou a pôr a cozinha de lado, mas as viagens, o voluntariado e o casamento fizeram‑no perceber aquilo que queria fazer. O Talho correu de feição desde praticamente o começo, mas nada que se compare ao corrupio vivido n’A Cevicheria. «Houve quem estranhasse a acidez da comida, mas não quero ser democrático, quero proporcionar experiências. No dia em que não o consiga, vou fazer outra coisa», é perentório, embora admita «isto tem de agradar às pessoas, é um investimento sério».
Recusa‑se, porém, a trabalhar para o gosto médio português. O êxito de A Cevicheria veio dar‑lhe razão: «Ninguém gosta de esperar, mas é diferente esperar numa rua do Príncipe Real ou numa das Avenidas Novas. Se me perguntam o porquê desta adesão acho que se deve a um conjunto de fatores, como pagar 30 a 40 euros e sair satisfeito, termos bom produto, ser bem executado, um espaço bonito… e sorte, também é preciso sorte.»
«Há um lado de descontração que me agrada. Trabalhamos com bom produto, tudo é produzido na casa, do pão à manteiga, e sei que os olhos comem, daí a minha preocupação estética [a decoração dos espaços é do irmão, António Martins]», explica, «a minha preocupação é fazer espaços onde se coma bem e onde eu possa proporcionar uma experiência de jantar fora.»
Com o Asiático, levou adiante o seu fascínio pelo Oriente, sempre na lógica da partilha, mas deixou de fora o sushi: «Sou muito fraco a fazer sushi, mas tenho valências para fazer bem outras coisas. Deixo isso para outros, de quem sou cliente, como o Bonsai, o Midori ou o Go Juu.»
A cozinha‑laboratório é onde passa mais horas, mas a televisão continua a consumir‑lhe imenso tempo. Fez o primeiro casting para o Kiss the Cook sem experiência, mas agradou e ficou. Até hoje. Ser reconhecido pelo grande público ajudou, e muito, à sua empreitada — é o primeiro a reconhecê‑lo —, mas, não restem dúvidas, remata: «Acelerou o processo, mas eu teria chegado lá.»
2017 Iluminado
Não é de hoje a parceria entre Kiko Martins e a EDP, já consumada através de uma cafeteria na nova sede em Lisboa, mas está reservada para 2017 a abertura de um restaurante. Vai chamar‑se O Watt, por sugestão de António Mexia, o presidente executivo da EDP, e será assinado pelo designer britânico Jasper Morrison.
A Cevicheria sem filas de espera
As pessoas entendem um pouco melhor quando ficam a saber que até a minha mãe esperou uma hora e meia na fila para jantar», desabafa Kiko. Há uma forma de não esperar: «É fazer como os meus amigos, que vão entre as 15h00 e as 19h00», esclarece.
Rua D. Pedro V, 129 (Príncipe Real)
Tel.: 218038815
Web: facebook.com/ACevicheriaChefKiko
Das 12h30 às 00h00. Não encerra.
Preço médio: 35 euros