Crítica: o Fortaleza do Guincho é uma catedral marítima

O chef Miguel Rocha Vieira a preparar mais um prato. (Fotografia de Carlos Manuel Martins/GI)
Governada por Miguel Rocha Vieira, a cozinha do Fortaleza do Guincho tem desde há dois anos bandeira portuguesa e oferece mar, produto e tradição na forma de alta cozinha. Parece um sonho, mas acontece sempre que lá vamos. Caminho mais que justificado.

Penso que foi em 1999 que escrevi a primeira crítica deste restaurante. A experiência foi de tal forma marcante e exuberante que me propuseram que ficasse a dormir lá por um valor irrisório. Oficiava Antoine Westermann então muito de perto, quando o seu Burehiesel de Estrasburgo tinha ainda três sólidas estrelas Michelin.

A carta de vinhos era rica em referências de Bordéus, Borgonha, Alsácia e um bocadinho muito tímido de Portugal. A comida servida era praticamente decalcada do repertório Westermann, com o que de bom ou mau isso tivesse; foi assunto em que nunca me detive.

A estrela Michelin veio em 2001, sem surpresa para mim; surpreendente é até hoje não ter ganho a segunda, mas aí passo da surpresa ao cansaço. Não faz sentido nenhum, como tantas outras decisões descabeladas do livrinho vermelho, em que todos os anos somos esmagados pelos vizinhos em novas estrelas, subidas de classificação e promoção.

A entrada de Miguel Rocha Vieira para os fogões da Fortaleza do Guincho acontece na sequência da saída de Vincent Farges, que elevou muito o patamar da casa. Filho de Cascais, entre os 19 e os 38 anos andou num périplo internacional de formação e aprendizagem em várias frentes, a ponto de ter conquistado no Costes (Budapeste) a primeira e única estrela da Hungria.

(Fotografia de Orlando Almeida/GI)

Cabeça forte, olhar seguro e determinação, assumiu a cozinha do Fortaleza em Agosto de 2015. O que me tem sido dado ver e provar em relação ao desempenho do que é o primeiro chef português da casa, é que instalou os padrões do gosto português e escancarou as portas à simplicidade. Detentor de um arsenal técnico notável, os pratos de muitos passos que concebeu, juntamente com as evocações marítimas que tão bem conhece são viagem de puro prazer.

O modo correto de usar é optar por um de três menus: quatro pratos (três pratos e sobremesa, 95 euros), cinco pratos (três pratos, queijo e sobremesa, 115 euros) ou seis pratos (4 pratos, queijo e sobremesa, 135 euros). Com harmonização de vinhos, os preços passam a 140, 170 e 195 euros, respetivamente. Circula no cardápio a nossa melhor cascaria e a nossa sopa do mar (22 euros) é de antologia, de fina e perfumada que é, com extrações brilhantes de sabor.

A sapateira da nossa costa, couve fermentada, maçã e beterraba (28 euros) surge em toada de provocação e honra a tradição marisqueira da zona em que estamos. O salmonete, choco frito, courgettes (30 euros) lança-nos para as águas bem frias que tão perto temos e para uma certa evocação sadina que o chef não enjeita; o popular é-lhe simpático. Morre-se perante o prazer e sentido de descoberta do cherne de anzol, alcachofra e lula (42 euros), Miguel Rocha Vieira a pôr-nos ao largo e a mostrar quem manda. Fantástico.

Não saem infelizes os carnívoros, da cabeça aos pés, porco preto, cebolas novas e xerém de amêijoas (40 euros) servem o inefável barrocal algarvio à mesa, genial mar e terra de raízes históricas. Proibido perder as dunas do guincho, pinha, pinhões e resina (12 euros), só de quem sabe muito e conhece bem os prodígios da praia que temos debaixo de olho enquanto fazemos a nossa refeição. E onde é obrigatório perder-se. Bravos!

Classificação
O espaço: 4,5
O serviço: 5
A comida: 5

A refeição ideal
A nossa sopa do mar (22 euros)
Carabineiro do Algarve, cenouras, citrinos (34 euros)
Cherne de anzol, alcachofra, lula (42 euros)
Novilho maturado, dobrada, feijão branco (46 euros)
As dunas do Guincho, pinha, pinhões, resina (12 euros)
Morangos do bosque, iogurte, malva-rosa (15 euros)

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.




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