Crítica de Fernando Melo: Panorama, Lisboa

Ainda agora chegou e já mudou tudo. Miguel Paulino é o dínamo da revolução inevitável que vive no peito dos novos talentos obreiros do sabor português. A descobrir com urgência no Panorama, restaurante do último piso do Hotel Sheraton da capital.

Há 45 anos que ali está a rasgar os céus com a garra de quem quer chegar mais alto. A oferecer um dos mais espetaculares promontórios lisboetas, de onde se vê o mundo inteiro. A topologia, os carros e os muitos caminhos diferentes que lhe têm desenhado em volta preservaram na forma mais que perfeita a quadratura eterna que o gigante engenheiro de estruturas Edgar Cardoso concebeu, a que o edifício Aviz, misto de escritórios e habitação, faz com o monolito de 30 andares que é desde sempre o Hotel Sheraton de Lisboa. Olhamos para ele e ficamos maiores.

Outrora o Hotel Aviz, animado por outro gigante, Mestre João Ribeiro, deixou ali semente culinária de excelência. Será dos astros talvez, mas nem mesmo nas noites mais felizes do Whispers tive tanto prazer como agora, neste Panorama de alma renovada. Está bem, muito bem, o chef Miguel Paulino, alentejano de Castro Verde, cheio de força, talento e juventude, trinta anos acabados de fazer, assentes num arsenal técnico sólido e pronto para todo o combate. Das muitas vezes que nesta sala única no mundo fiz uma refeição, nunca a sensação de plenitude me veio como nas mais recentes, em que me sentei à mercê do novo chef.

O pão é feito aqui, logo à entrada da sala do Panorama, no forno onde também se assa o leitão, junto às duas grelhas de brasas onde processa frescos à vontade do cliente. Apontamento de utilidade difícil de aceitar, já que o restaurante está fechado ao almoço e o jantar tem a inequívoca vocação de fine dining. Vêm as manteigas para assessorar a variedade interessante de pão disponível, para logo começar uma rajada suave de disparos de sabor, ao mesmo tempo manifestos de vanguarda do chef Paulino. Dois falsos legumes, um tomate com bacalhau dentro e uma malagueta com creme de grão-de-bico inauguram as hostilidades em tom patrimonial. É o momento de nos divertir e alegrar, retenho as gomas de jus de carne, brilhantes pela concretização e novidade, e os mini-pastéis de bacalhau pelo que simbolizam no nosso imaginário.

Mais de 50% dos clientes do restaurante são passantes, maioria portugueses. Bem pensado, por isso. Trabalha-se à carta mas os menus A Sul (5 pratos, 55 euros) e A Norte (7 pratos, 75 euros) são irrecusáveis e verdadeiros retiros epicuristas, já que se viaja pelo país sem sair do lugar. Ao mesmo tempo, traduzem a sã inquietude do jovem cozinheiro. O vinho é sempre à parte e não há por enquanto opção de suplemento vínico para acompanhar as sequências de degustação. De qualquer forma, a carta de vinhos é bem gerida por Victor Hugo Almeida, responsável pelo restaurante, que harmoniza bem as enoexistências com os pratos.

O carabineiro da outra margem inaugura o desfile A Sul e é um prato monocromático – vermelho – inspirado na ponte 25 de Abril logo ali. Cada prato sua inspiração, em jeito de confissão. Tudo cândido, sem disfarces, mas há trabalho de paciência na espécie de bisque que faz de caldo e no estaladiço de tapioca que alterna a textura geral. Miguel Paulino gosta de caldos elegantes e expressivos. O bacalhau à Zezinha é dedicado à sua mãe e evoca sabores de infância ao mesmo tempo que estabelece relação com o bacalhau à brás. Salmonete à costa azul, inspiração molho de pitau (Costa Nova), brilhante, a integrar numa mesma solução ostras e fígado do peixe; leitão com molho da nossa costa, este inspirado no leitão à bairrada, mas orlado com molho de gambas, conseguido; e pudim abade de priscos que cumpre; e está completa a viagem do menu A Sul. Bravo Chef Miguel Paulino, no lugar que tem nobreza que clama por continuação. Penso que está encontrado o bravo.

A refeição ideal

Menu A Norte (75 euros)

Marisco da nossa costa
Açorda silvestre
Gaspacho
Feijoada de bacalhau
Cabrito assado no forno
Marmelo com queijo serra da estrela
Algarviada

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.

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