Crítica de Fernando Melo: Bocado, Ponte de Lima

Vou ali passar um bocado bom, o amor aos bocados é mais amor, ou a vida é feita de bocados bem passados. Qualquer pensamento é igualmente válido quando pensamos no que nos aconteceu em mais uma experiência neste lugar de prazer e paz, às portas de Ponte de Lima.

 

José António Cunha e Silva e Palmira Pereira felizmente são casados um com o outro. Se não fossem eu próprio trataria de os apresentar e tratar da cerimónia, tal a telepatia e entendimento sem palavras que têm entre si e que nos envolve sem explicação aparente. E ainda bem, que de concursos, concorrência e ambição sem mesura já estamos mais que servidos.

Entregamo-nos por duas ou três horas – às vezes mais – aos cuidados de ambos e um qualquer anjo coordena as operações fazendo fluir tudo com a maior serenidade. E onde estamos? Numa casinha de jardins de patamar, poucas mesas – 25 lugares máximo -, uma espécie de barra, mas sobretudo o fio único de tempo que se consome a si próprio enquanto viajamos nesta nave imponderável, feita de mãos, coração e dos sabores emocionantes da cozinha mais cândida.

Anda José António pelo meio dos comensais com o sorriso seguro de quem sabe que corre bem a navegação a todos e cada um. Sabe os vinhos, as regiões e as afinidades à mesa, a harmonização ocupa-o e é assunto em que é vastamente vencedor. Bela garrafeira, a deste grande senhor de bem receber.

Chocantes de bons e únicos os queijos fornejados com frutos vermelhos, alucinantes os figos recheados assados no forno. Não quem não olhe em redor à procura da sala dos milagres onde acontecem maravilhas assim, de suaves que são.

É Palmira, sabemos, que algures cria estas primícias como quem respira. Deixamo-nos ir. São diversas as entradinhas que compõem o universo culinário de bocados deste Bocado que se vai agigantando. Eles escolhem cinco ou seis pratos e definem a sequência, o que só por si quer dizer que será muito difícil ter duas experiências iguais.

O registo petisqueiro tem registo universal, enquanto os pratos quentes já nos põem mais no trilho dos sabores minhotos. O nispo de novilho em espumante de vinho tinto é a ideia que eu gostava de ter tido em casa, leveza conseguida, o conjunto ligeiro que produz e aquela vontade de dizer um palavrão feio e logo a seguir “estou a ser bem tratado”. Claro que a costela mendinha – apêndice da aba da costela confitada – faz parte do elenco dos possíveis, assim como claro que o polvo em vinho verde tinto elimina o preconceito em relação ao excelente Vinhão da região.

Não podiam faltar os arrozes no receituário de Palmira e há-os em formato delícia, um de bacalhau – ideia inefável a de aproximar o fiel da gramínea – o outro de peixe, de fumet e goma insuperáveis. Mas arroz a valer é o de sarrabulho, bandeira de Ponte de Lima à mesa. Conferência obrigatória, de bater o pé, ao pudim do Abade de Priscos. Casa discreta esta, feita coração gigante com lugares para sentar e vivar. Sorte de quem está em Ponte de Lima e pode dar-se ao luxo de fazer desta casa a sua.

Classificação
O espaço: 4
O serviço: 3,5
A comida: 4,5

A refeição ideal
Entregar-se nas mãos de Palmira e José António, sabendo que não há duas iguais neste lugar único. Entre cinco e sete pratos, conteúdo variável.

 

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.

 




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