Arepas: o “prego” da Venezuela chegou a Portugal

Em Lisboa e no Porto, há quatro areperas que a servem, com recheios típicos venezuelanos e outros bem portugueses, a piscar o olho a quem vive por cá... para matar saudades de um país que vive atualmente uma crise política e social.

Um pãozinho achatado e recheado, que leva apenas farinha de milho branco, água e sal. Parece difícil acreditar que esta é a receita da felicidade nas cozinhas da Venezuela, mas o produto tão despretensioso vinga pela sua própria simplicidade. É consumido por todos os estratos sociais, de manhã, ao pequeno-almoço, ao almoço, ao lanche, ao jantar e até à ceia, nas roulotes das cidades. «Os médicos incentivam a incluir na alimentação, especialmente dos mais pequenos que vão para a escola. Satisfaz, é saudável e não tem glúten», explica Dores Lourenço, que emigrou para a Venezuela em 1979.

Nascida na Madeira, depressa aprendeu com uma tia do marido, também português, a arte das arepas. Continua a prepará-las, bem como outros petiscos venezuelanos, na arepera que a filha Ysmiley abriu em julho de 2015, na Estrada da Luz, em Lisboa. Ysmiley já nasceu em La Guaira, mas mudou-se há 10 anos para Lisboa e, entretanto, trocou a área farmacêutica pelo seu próprio negócio: ARIPO. Nome que os índios do Caribe davam à chapa onde é feita a arepa, o método mais tradicional para cozinhá-la, antes de uma última passagem pelo forno.

Na Aripo, as paredes estão forradas com quadros de paisagens do país e as arepas com os recheios mais típicos da Venezuela

A discussão sobre a sua origem mantém-se há décadas entre a Colômbia e a Venezuela, mas a diferença é notória: se na primeira o pão é barrado, no país de Ysmiley a arepa leva um corte ao meio para ser recheada – e que bem recheada. Na Aripo, as paredes estão forradas com quadros de paisagens do país e as arepas com os recheios mais típicos da Venezuela.

Ainda assim, pisca o olho aos sabores portugueses, incluindo entre as variedades alheira transmontana, bifana com vinho do porto e queijo da serra e presunto. Tal como Andrea Pereira, que não esqueceu os ingredientes nacionais na sua arepera. Em 2015, preparava-se para abrir um espaço de arepas, na Parede, quando ouviu falar na abertura da Aripo. Em dezembro do mesmo ano, esta venezuelana, também filha de pais portugueses, abria a EPA!BOAREPA, diminutivo pelo qual é também conhecida a especialidade. Foram as mães de colegas na escola de Caracas que a ensinaram, mas o método treinou-o enquanto testava diferentes massas já em Portugal. Acabou por vingar uma ainda mais generosa em tamanho que a da Aripo.

Os recheios tradicionais, é claro, são comuns às duas: a fresca reina pepiada, com frango desfiado e abacate, a pelúa com carne de vitela desfiada e queijo flamengo e a idêntica catira, que só muda a carne, de aves. Ou a viúva, acompanhada só com manteiga. São dezenas as combinações possíveis, tudo depende da vontade do visitante. Mas é certo e sabido: o pão venezuelano de todos os dias é também para todas as alturas do dia.

As novas areperas do Porto

A ligação inegável entre os dois países faz-se também sentir no Porto, onde no espaço de poucos meses, nasceram duas casas de arepas pela mão de portugueses. O orgulho venezuelano por este prato nacional transparece em Francisco González, 25, nascido em Caracas mas a viver em Portugal desde os 18 anos, como denota a já bem vincada pronúncia tripeira. Equipara a fama da arepa à «tradição portuguesa da bifana e do prego», embora as considere «bastante mais elaboradas a nível da confeção».

Optou por prosseguir os estudos no Porto, longe da «instável situação social e política» da terra natal. Fora dos horários das aulas do curso de Assessoria e Tradução, que ainda frequenta, reparou computadores, vendeu artigos para o lar e calejou as mãos na construção civil. Tudo o que fosse necessário para ter meios para abrir o DONA AREPA, que não assenta apenas na especialidade, aqui servida também em formato de menu de degustação com seis mini-arepas recheadas. Exibe com orgulho as garrafas de rum venezuelano, o ingrediente essencial dos cocktails com a inevitável Cuba Libre na linha da frente e na cozinha testam-se já próximas estrelas da carta, também elas de inspiração venezuelana: o pabéllon criollo, prato nacional feito à base de feijão preto, carne de novilho desfiada, arroz branco e banana-pão frita; e o papelón com limão, bebida caseira feita com extrato de cana de açúcar.

Na Casa das Arepas servem-se as versões clássicas e também combinações mais portuguesas com leitão assado à Bairrada ou molho de francesinha

Não muito longe, também entre o rebuliço da Baixa, Timóteo Mendes é a cara da CASA DAS AREPAS, onde se prepara outra revolução de sabores venezuelanos para lá dos sabores das arepas. Embora nunca tenha morado na Venezuela, recebe conselhos valiosos da mulher, uma luso-venezuelana a viver em Portugal desde os 15 anos.

As versões clássicas estão presentes mas outros tantos recheios, desenhados pelo chef Nuno Inverneiro, fundiram o leitão assado à Bairrada e o molho de francesinha, para «irem de encontro ao paladar português». Em lado algum, entre a decoração de madeiras e verdes tropicais, se encontra uma bandeira nacional do país. Quando em 2006, o presidente venezuelano Hugo Chávez ordenou a inclusão de mais uma estrela na bandeira do país como simbologia da revolução bolivariana, os seus opositores protestaram nas ruas. Para fugir a polémicas, a casa venezuelana da Picaria optou por «não afixar nem uma, nem outra versão da bandeira, para não ferir suscetibilidades». O grande objetivo não é o de dividir, mas de unir culturas, de preferência com uma arepa na mão.

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.




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