Um restaurante moderno e «à antiga» em Chaves

Carvalho, Pedro Granadeiro
Comecemos pelo óbvio: o principal pecado que Chaves convoca, para o que aqui nos traz, é o da gula, como não podia deixar de ser. Uma crítica de Fernando Melo

Outros pecados por lá haverá, estou certo, não perpassasse pela cidade aquele ambiente de transgressão que as urbes raianas acarretam sempre consigo, vindo dos tempos das travessias clandestinas das fronteiras, com a política ou a necessidade económica como motivo. Já vai longe, felizmente, a era do contrabando em que se ia à Aninhas Vitorino ou das combinas, às mesas do Aurora ou do Comercial, sobre a forma de facilitar a um amigo a passagem para o outro lado de Vila Verde da Raia.

Hoje, nesta terra de generais da Liberdade, como foram Sousa Dias ou Costa Gomes, o único «contrabando» é o das calorias que a culinária local, apoiada nos excelentes produtos da região, nos impõe. Mas este texto é sobre a cidade ou sobre um restaurante, impacientar-se-á o leitor? É sobre o Carvalho, um restaurante moderno «à antiga», que, há vários anos, considero ser a melhor mesa da cidade, com uma cozinha genuína e de grande qualidade, um local de onde nunca saí desiludido.

Voltei lá, há dias. Decidi, por esta vez, assentar a refeição exclusivamente nas carnes, se bem que a oferta de peixe (sável, garoupa, linguado, rodovalho, congro, pescada e, claro, bacalhau) fosse muito prometedora. Começou-se com uma alheira (feita na casa), de grande qualidade, e com salpicão no borralho, com acompanhamento de grelos. Resisti ao presunto de Chaves, um dos melhores do país, e à linguiça assada. Como pratos «de resistência» foram os três que pareceram representativos.

Uma vitela no tacho com castanhas fez honra à carne da região, com uma textura excelente, um molho muito saboroso, a que as castanhas se ligavam à perfeição. Depois, provou-se o cordeirinho assado no forno, extremamente tenro e com um paladar como requerido. Finalmente, foi-se por uns milhos com costelinhas, que eu diria quase ao nível daqueles que a dona Fernanda nos serve na Ucanha, perto de Tarouca, e que tenho como referência do sabor ideal.

Diga-se que as carnes, no Carvalho, não se ficam por aqui. Já por lá provei o naco de vitela de grande qualidade, tenho saudades do seu arroz de fumeiro e, last but not least, a dona Ilda – chefe desta cozinha exemplar, que às vezes espreita às mesas para olhar as nossas caras regaladas – faz um arroz de frango de cabidela de se comer e chorar por mais.

Sobremesas? É uma lista grande, com as coisas óbvias e outras que o são menos. Escolhemos três «pecados» de doçaria: as migas do Carvalho (com chila, ovos, amêndoa e vinho do porto), o aveludado de laranja e as rabanadas – que aqui se fazem ao longo do ano e com uma leveza e uma textura muito raras.

Restam os vinhos. A lista de sugestões não é muito longa. Optei por um Carm tinto 2011, do Douro superior, um vinho intenso que sempre tenho como uma aposta segura. O serviço do restaurante é impecável, de um profissionalismo quase sem falhas. Este é, sem a menor dúvida, um dos mais seguros valores da restauração transmontana. Regressarei ao Carvalho sempre que possa. Que posso dizer mais?

Restaurante Carvalho
Alameda do Tabulado, Chaves
Tel.: 276321727
Preço médio: 25 euros
Reserva recomendada
Fecha à segunda-feira
Wi-fi

Esta crítica foi publicada originalmente na edição 44 da Evasões, a 29 de janeiro de 2016. Foi atualizada a 23 de novembro, após anúncio dos restaurantes distinguidos pelo Guia Michelin 2017.




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