Dom Joaquim de Évora mantém referência no Guia Vermelho

Mais tarde ou mais cedo, a insinuação alentejana de conquistar o país vai vingar, se souber acomodar o que se faz no território. Dom Joaquim lidera a revolução mais tranquila e prazerosa.

O talento de Joaquim Almeida reparte-se por três grandes áreas, todas elas intensas, plenas e interligadas. A cozinha é a mais sensível, porque se aprecia, prova e saboreia. Depois, a incrível arte de interagir com todos os clientes do seu restaurante, mesmo em dias de enchente, que há muitos. E uma outra, talvez insondável para os mais distraídos, que é a sua leitura muito pessoal mas profunda das gastronomias do seu país. Começo por esta última, pela forma como traz o aspeto regional no peito e na alma. Avó de Gondomar a viver em Évora, nascimento em Tomar onde viveu até a sua mãe se mudar para junto da avó, as idas sistemáticas ao campo, onde desde miúdo perguntava e queria saber de tudo. A atitude interrogativa acompanha-o para todo o lado desde sempre.

Em Évora oficiou como empregado de mesa no Luar de Janeiro, um restaurante de referência, durante nove anos, sem esmorecer nem arredar pé. Ganhou um entendimento grande do que é Portugal à mesa, o produto e o vinho. Começou com o Aqueduto, projeto que fundou em 2000 e a diferença estava à partida marcada, tornando-se rapidamente ponto obrigatório de visita. Casa alentejana, mas sobretudo portuguesa, foi o que me impressionou mais então. O tempo passou, e as artes do chef Almeida eram anunciadas noutra parte da cidade. Paradigma familiar, onde numa coreografia rápida mas atenta e próxima dos clientes encanta e convence. Todos voltam ao Dom Joaquim, de porta aberta há nove anos. Eu voltei ainda agora e continuo convencido do templo que configura o labor culinário da casa. É tempo delas, é certo, mas escusavam de ser as melhores silarcas com ovos (9 euros) que comi na vida, preparadas como só quem sabe faz, aproveitamento exclusivo das cabeças dos saborosos cogumelos, atirados quase crus como se impõe para ovos mexidos feitos cama real.

Chama-se cilercas a esta maravilha nos subidos ribatejanos que o cozinheiro tão bem conhece. Mas a sopa de beldroegas (10,50 euros), produzida com elas bem tenras e civilizadas, são santuário alentejano de recorte cristalino, pena o queijo que se deu à cozedura, longe da consistência desejada. Em nada, contudo, prejudicou a que é provavelmente a melhor sopa do mundo, alquimia pura, nascida do rasante ao chão alentejano, delícia na forma de sabor. Antes, logo a seguir aos fabulosos torresmos do rissol que estavam à espera na mesa, um queijo assado com orégãos (5,50 euros) tinha-me posto a gula nos píncaros, mas a simplicidade desarmante da sopa limpa todos os registos dos sabores mais fortes ou exóticos. Mesa gloriosa, esta.

Fecho a empreitada salgada com a almofada de porco preto (18 euros, duas pessoas), uma criação de Joaquim Almeida popular entre a clientela mais assídua. É uma espécie de empada de conteúdo variável, caça, leitão, bacalhau, borrego ou galinha, mas um elemento obrigatório da alheira. Liberdade absoluta, prioridade ao sabor. Gigantes as sobremesas fidalgo (5,50 euros) e o gelado de azeite e mel (2,50 euros), e tanto para provar. Ai Dom Joaquim, queria comer sempre assim!

Rua dos Penedos, 6 (Évora)
Tel.: 266731105
Das 12h00 às 15h00 e das 19h00 às 22h45
Encerra domingo ao jantar e à segunda-feira.
Preço médio: 19 euros

 

Este artigo foi publicado originalmente na edição 54 da Evasões, a 08 de abril de 2016. Foi atualizado a 23 de novembro, após anúncio dos restaurantes distinguidos pelo Guia Michelin 2017.




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