À descoberta do primeiro chá do continente europeu

Na Europa continental não se produzia chá. Até que Dirk Niepoort e Nina Gruntkowski puseram mãos à terra. E, ao cabo de meia dúzia de anos, está pronta a primeira colheita, ainda em modo experimental.

Há uma soma de factos pioneiros a salientar: acaba de ser feita a primeira colheita da primeira plantação de chá do continente português e, contando com as plantações de chá dos Açores, a primeira fora das ilhas na Europa. Isto aconteceu em Fornelo, Vila do Conde, por iniciativa de Nina Gruntkowski, jornalista alemã, e de Dirk Niepoort, já bem conhecido pelo seu trabalho na produção de vinho no Douro. Nina e Dirk são um casal, conheceram-se na Alemanha e, em Portugal, começaram a sonhar com uma produção própria de chá no norte do país – a Chá Camélia demorou alguns anos, mas está a concretizar-se.

A ideia não era nova, nem na região – há quase cem anos, um português de Ponte de Lima tentara produzir chá, mas emigrou para o Brasil antes de o concretizar -, nem para o casal. Aos 20 anos, no final dos anos de 1980, Dirk procurava um negócio que fizesse sentido e tentou dedicar-se à distribuição de chá verde na Europa. Com esse intuito, viajou até à China, mas as circunstâncias políticas daquele país fizeram-no desistir. Dedicou-se, então, aos vinhos do Douro e à empresa familiar, fundada em 1842 e atualmente na quinta geração de produtores. Nas quintas de Nápoles e do Carril (Douro), na Quinta de Baixo (Bairrada) e na Quinta da Lomba (Dão), Dirk produz mais de 30 vinhos de mesa e outros tantos vinhos do Porto, sob a marca Niepoort.

O enólogo conheceu, depois, Nina. Apaixonou-se e os dois descobriram a paixão comum pelo chá. Há oito anos, por acaso, durante uma entrevista a um suíço que escrevera um livro sobre chá, Nina descobriu que a planta do chá era uma camélia. Ela que, por essa altura, já tinha um pé na Alemanha e outro em Portugal, descobrira o fascínio da região norte pelas camélias, que ali encontravam clima propício e proliferavam pelos jardins. Daí à decisão de tentarem trazer a planta do chá para a ‘terra das camélias’ foi um pulinho.

A plantação trabalha segundo princípios biológicos. A ideia é criar um ciclo sustentável em que tudo o que utilizam na terra é proveniente do meio envolvente

«A planta do chá é a camellia sinensis. O litoral norte é a ‘terra das camélias’, as que dão flores bonitas, mas que não servem para fazer chá. Por isso, achámos que este era o local ideal», explica Nina. Os solos ácidos, a humidade e o clima temperado da costa norte fazem com que a camélia se dê bem nessa zona. Nina e Dirk trouxeram a planta-mãe da Suíça, originária do Japão, e plantaram no jardim da sua casa no Porto. Sobreviveu ao Inverno. Em 2011, lançavam à terra mais 200 pés, «com a consciência de que não era ali que o projeto fazia sentido», mas desejosos de ver se o clima era apropriado. E foi.

Em 2012, já determinados em avançar com a produção, visitaram, pela primeira vez, o casal Morimoto, no sul do Japão. Esses japoneses, Haruyo e Shigeru San, tinham mais de 40 anos de experiência na produção de chá e tornaram-se os padrinhos do projeto português. Enquanto aguardavam a colheita, começaram a importar chá verde japonês. E, em parceria com os Morimoto, criaram novos chás, misturando o verde com erva-príncipe portuguesa, limão, aquileia, flor de sabugueiro e ainda com pétalas de rosa.

Em 2014, já sem espaço no pequeno quintal do Porto, plantaram camélias no interior de Vila do Conde, a cerca de dez quilómetros do mar, numa propriedade da família Niepoort há muito desabitada. Para ali mudaram as 200 camélias e já plantaram outras 3300. A plantação tem, agora, meio hectare. As primeiras camélias têm já dimensão. A ideia é, em breve, duplicar o número e chegar a um hectare de área plantada.

«Sabemos que são precisos cinco anos para que, de uma camélia, se possam colher e secar as folhas para um chá verde de alta qualidade. Este ano, é apenas uma colheita experimental. Fizemos tudo manualmente e produzimos 1,7 quilos de chá, sendo que só 200 plantas têm os tais cinco anos», diz Nina.

No chá verde, depois de colhidas as folhas – apenas três ou quatro da parte superior da planta, onde nascem justamente as mais verdes e frescas -, há seis a sete etapas, que passam pela vaporização, evitando que as folhas oxidem e fiquem castanhas, e por enrolar e secar. Os próximos anos serão para apurar os métodos. Dali, garante Nina, saiu agora um «chá verde de qualidade muito boa» – e, claro, fortemente influenciado pelo mar. Por agora, é esperar que chegue a altura de poder levar este primeiro chá continental português à chávena.




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