Cerveja artesanal: como escolher a sua favorita

Saiba como provar cervejas artesanais e escolher o estilo que mais lhe agrada. O bê-á-bá pelo crítico Fernando Melo.

Habituamo-nos por vezes de­pressa aos termos, ou convive­mos com eles tempo demais, sem realmente lhes ter absor­vido o sentido pleno. Artesanal quer à partida dizer que há uma renúncia à produção em série e a tudo o que é industrial. O conceito de cerveja artesanal não tem mesmo assim a força suficiente para pas­sar devidamente a mensagem de que é um tra­balho de grande especialidade, feito por mão de artista.

O termo inglês «craftsmanship» ex­prime melhor o quanto tem de exclusivo uma cerveja artesanal. Não tem tradução fiável pa­ra o português para além do termo artesanal, e a cerveja de que tratamos chama-se craft beer por isso mesmo. É feita por mão humana e não admite manipulações que não respeitem a as­sinatura natural em todas as fases.

Como saber o que é artesanal?

Correndo o risco de simplificar demasiado, a cerveja comum difere da cerveja artesanal na medi­da em que é orientada para o prazer de beber mais do que para a função refrescante e nutri­tiva que tradicionalmente se reconhece. Mais do que a venda estrita, visa o prazer. Continuando na linha da simplicidade, são quatro os ingredientes básicos de uma cerve­ja, artesanal ou não: cevada, lúpulo, água e le­vedura.

O que postula a característica tradicio­nal assenta nas suas quantidades e tratamento. A cevada é maltada – transformação que en­contramos por exemplo no whisky e que con­siste em fazer germinar os grãos por lavagem e imersão em água – e não deve haver adição de nenhum outro cereal – arroz e milho, por exemplo, tantas vezes utilizados nas cervejas «normais» – nem de açúcar, conservantes ar­tificiais ou aditivos de qualquer espécie.

O lúpulo corresponde grosso modo ao componente amargo da cerveja, muito im­portante para construir o perfil equilibrado e estável que cada autor quer ver no seu «fi­lho». Está aqui uma das variáveis mais impor­tantes do fabrico de cerveja, em que o lado ar­tesanal fica ao rubro. Após a germinação que conduz ao malte, há uma primeira fermenta­ção, da qual resulta entre outros o álcool natu­ral da bebida.

Ainda não há gás na bebida, is­so só acontece com uma segunda fermentação por introdução de leveduras no caso da cer­veja artesanal, ou injeção de dióxido de car­bono no caso das industriais. Um e outro per­fis seguem vidas totalmente diferentes a par­tir deste momento. Além disso, normalmente não há pasteurização na cerveja artesanal, passo que como se sabe visa anular a atividade microbio­lógica, inertizando a bebida.

Por isso mesmo, a fermentação continua a processar-se dentro da garrafa, criando na­turalmente o dióxido de carbono que vai ter o efeito sensível da espuma. A porção de le­veduras que fica no fundo da garrafa é uma fonte de proteínas e vitaminas, portanto nu­tritiva e saudável. Muitos afastam-se desta cerveja artesanal por ter «depósito», mas isso não é mais do que parte do produto, à semelhan­ça do que acontece com o vinho não filtrado, muito melhor e mais rico do que o filtrado até ao limite. O mundo está a aprender e a apro­var tudo o que mais e melhor se aproxima do que é natural, entendido no sentido da mini­mização das manipulações.

É fundamental saber reconhecer as virtudes

Quem já experimentou guardar azeite no fri­gorífico percebeu que por ação do frio fica tur­vo e quando está na mesa recupera o aspeto cristalino. O que acontece no frigorífico é a co­agulação das proteínas presentes no azeite.

A cerveja artesanal bebe-se, como as outras, fria, e acontece exatamente o mesmo. É por isso que são normalmente turvas e é por isso que erra­damente há quem pense que não estão em bo­as condições. Se as deixarem chegar à tempe­ratura ambiente, vão ver como limpam de no­vo no aspeto e se tornam a bebida que apetece refrescar para beber.

A figura do mestre cervejeiro é determi­nante na vertente de produção da cerveja ar­tesanal e na garantia da qualidade ao longo do tempo. É ele que está encarregado de encon­trar e aplicar os melhores ingredientes, na jus­ta medida. E é com ele, também, que estão os segredos da sua arte e que jamais revela. É o lado fascinante e misterioso da cerveja arte­sanal, que rapidamente nos conquista e vicia.

E navegar nos estilos e nas variantes

Pode tardar um pouco até que os dizeres ins­critos num rótulo façam sentido para quem vai às compras ou prova cervejas artesanais em sítios especializados. Ale – lê-se «eile» – e Lager – lê-se «láguer» – são os dois gran­des grupos de cervejas e exprimem o tipo de fermentação que lhes está na base.

No primeiro a fermentação dá-se no topo dos depósitos, por isso mesmo ditos de top fermenting, a quente, enquanto no segun­do se dá no fundo dos depósitos e chama-se bottom fermenting, a frio. ESB, IPA, Pale Ale, Porter, Stout, Wheat e Brown são da família Ale, enquanto as Pilsener, Bock e Oktober­fest são do grupo das Lager.

Na variante artesanal, umas e outras po­dem mostrar ainda mais modificadores de sabor e acabamentos. Só à medida que se vai entrando no fabuloso mundo das cer­vejas artesanais se encontra o estilo favo­rito. Aproxima-se uma febre para que Por­tugal acordou relativamente tarde, mas que já criou títulos sólidos e de qualidade supe­rior. É tempo de descoberta, por isso, do la­do do consumo e tempo de inovação sem li­mites, do lado da produção. Vamos às pro­vas!

 




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